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A saúde mental é uma ferida que não se vê

Perda de rotinas, desregulamento do sono, isolamento e alimentação pouco cuidada podem conduzir a ansiedade e depressão e a pandemia não facilitou o processo. Na NOVA FCSH, multiplica-se o esforço para chegar a todos.

A pandemia afetou e continua a afetar diversos setores e a educação não foi exceção. De aulas presenciais para um simples ecrã, os professores reinventaram a forma como lecionam e os alunos, por sua vez, começaram a adaptar-se a novas formas de aprendizagem. Mas se um lado da balança aparenta estar equilibrado, o outro, o da saúde mental, começa a mostrar sinais de desequilíbrio.

O problema começa precisamente na cama. Como as aulas estão à distância de um clique, os alunos começaram a levantar-se da cama cinco minutos antes, o que, por si só, altera a rotina. “Não há aqui o cuidado de acordar mais cedo, fazer as rotinas habituais, o vestir-se para ir para as aulas, não quero dizer vestir como se fosse para a rua, mas tirar o pijama é importante”, começa por explicar Olga Cunha, psicóloga nos Serviços de Psicologia, Inclusão e Género (PSII+) da NOVA FCSH.

Esta quebra de rotina afeta a alimentação, o exercício físico – ou falta dele – e principalmente o sono. “Dificuldades em adormecer, insónias matinais ou então o contrário, só a necessidade de ficar em casa, de não querer sair” agrava este estado apático e é por isso que Olga aconselha uma caminhada diária de 20 minutos, suficiente para aliviar o stress e a tensão do dia.

Ao longo de 2020, a psicóloga clínica sentiu um aumento da procura deste serviço que coincidiu com a primeira fase de confinamento em que a NOVA FCSH, à semelhança de outras universidades, fechou portas. Porém, a sensibilização junto dos alunos foi sendo feita pela Associação de Estudantes da NOVA FCSH (AEFCSH) e da própria faculdade, com o propósito de auxiliar os alunos. As situações começaram a ser vividas com mais intensidade do que antes.

“Neste momento temos coisas ligadas a ansiedades já na área das perturbações da ansiedade, ataques de pânico, depressão, ou seja, já há mais gente a tomar medicação, receitada pelos médicos”, aponta a psicóloga. Os alunos têm apresentado “sintomas muito mais intensos, mais profundos”, aponta, e “nesse ponto de vista senti um aumento, não só no número de pedidos, mas no tipo de sentimentos ou de sintomatologia que os alunos trazem”.

Os estudantes que a consultam são dos três ciclos de estudo: licenciatura, mestrado, pós-graduações e doutoramentos, com idades entre os 18 e os 40 anos. No ano letivo de 2019/2020, a média de procura dos serviços rondou os 100 alunos novos e os atendimentos totalizaram-se em 800. As estatísticas referentes ao primeiro semestre deste novo ano letivo ainda prevalecem sob auscultação da psicóloga, mas é provável que o número tenha aumentado, aponta Olga.

A importância da vida académica e os receios do futuro

O novo ano letivo começou com sol e com um gosto agridoce na tradição académica. A animação, a expetativa e aquele nervoso miudinho tornaram-se produto de um passado muito recente. As típicas tradições académicas não se realizaram e os novos alunos ainda não tiveram oportunidade de se integrar, principalmente nas licenciaturas, considera a psicóloga.

Apesar do regime misto imposto, nada é como antes: “O que os alunos referem mais é o distanciamento social, o isolamento dos colegas. Os que entraram no primeiro ano ainda não tiveram tempo de se adaptar, de conhecer os colegas e de estabelecer uma socialização que é tão importante na vida académica” como, por exemplo, conviver na esplanada da faculdade. Porém, é curioso notar, afirma a psicóloga, que um dos receios dos estudantes é o caminho para a faculdade: “É interessante ver que os alunos consideram a faculdade segura. O problema são os transportes públicos, é a deslocação” até as aulas.

Mas da adaptação dos alunos do primeiro ano de licenciatura até aos alunos de doutoramento, a gestão das expetativas tem sido outra frente de batalha para Olga. Um dos receios mais comuns dos alunos de licenciatura prende-se com o valor da sua formação académica, dado que parte vai continuar a ser dada à distância. Os estudantes receiam que os futuros empregadores não atribuam valor suficiente ao grau académico por esta consequência da pandemia.

Também os mestrandos tiveram que tomar decisões sobre a componente não-letiva. Uns decidiram abandonar a ideia de estágio e escrever a dissertação porque precisavam de terminar o mestrado, outros optaram por congelar a matrícula e regressar quando as empresas começarem a abrir vagas para o estágios.

E é aqui que entra a palavra ‘prevenção’, a mais importante para lidar com futuras situações como a ansiedade, a gestão das expetativas ou a escrita de tese. Tal como Olga, outros profissionais dos Serviços de Ação Social da Universidade Nova de Lisboa (SASNOVA) incentivam os estudantes a participar em atividades, tal como as jornadas da saúde mental, fruto da colaboração entre o PSII+ e a Associação de Estudantes (AEFCSH). Desde 2018 que têm organizado um conjunto de atividades e formações sobre diferentes temas que podem ser factor de desequilíbrio na saúde mental dos estudantes.

Saúde mental não é só ansiedade ou depressão

Falar de igualdade entre géneros, orientação sexual ou violência no namoro são raízes que alimentam o tronco principal da árvore chamada saúde mental. “Nós temos vários estudantes que nos contactam pelo e-mail ou pelas redes sociais sobre determinadas questões que, por vezes, podem ser tratadas a nível pessoal, entre colegas da AE”, conta Joana Freitas, presidente do Conselho Fiscal da AEFCSH, mas “muitas vezes são questões que ultrapassam as nossas competências ou as nossas ferramentas e fazemos esse encaminhamento para o serviço específico na faculdade e se são de casos do foro mental, aí encaminhamos logo para a Dra. Olga”.

A colaboração entre a AEFCSH e o PSII+ tem sido positiva, confessa Joana. As jornadas da Saúde Mental realizadas pelo menos uma vez por mês na faculdade tratam de assuntos como a igualdade de géneros, a sexualidade, entre outros. Com a pandemia, as jornadas passaram para o registo online. A adesão dos alunos varia consoante o assunto: “Por exemplo, quando tivemos as jornadas sobre a violência no namoro vieram mais pessoas do que se calhar num tema sobre a ansiedade, o público varia sempre com o tema”, comenta Joana.

A abertura em relação aos temas permite que os alunos se sintam mais à vontade para procurar os meios que a faculdade disponibiliza. “Isto contribuí largamente para a saúde mental e para o bem-estar [dos alunos]” e “a AE também procura ser um dos meios e uma das pontes que os alunos possam aceder e que não sintam algum tipo de impedimento para chegar a qualquer tipo de serviços”, explica Joana.

A preocupação não é só da Associação de Estudantes, é também da direção da NOVA FCSH. Em março de 2020, a faculdade elaborou o Plano para a Igualdade do Género e Diversidade do qual também a AEFCSH faz parte. Em conjunto, a Associação de Estudantes sinaliza problemas e a direção toma medidas.

O conforto, o sentimento de segurança e de ajuda contribui largamente para o equilíbrio da saúde mental. Violência doméstica no namoro, orientação sexual ou outros temas podem ser a origem de ansiedade, depressão e, consequentemente, isolamento social. Tal como os alunos que sofrem com Síndrome de Asperger, uma face do autismo, que nem sempre são compreendidos. Mas as formações que Olga tem dado a funcionários e professores tem sido benéfica e útil para lidar com alunos com necessidades especiais.

Contudo, seria vantajoso para o PSII+ se Olga não estivesse sozinha, considera Joana: “Só a FCSH tem quase cinco mil alunos e uma psicóloga não é suficiente e louvo a disponibilidade da Dra. Olga a trabalhar horas a mais para conseguir que os estudantes sintam este apoio”. O estigma de procurar ajuda, embora ainda não extinto, já começa a esfumar-se lentamente, diz Olga.

“Eu acho que há toda uma geração mais nova que já começa a procurar sem grandes preocupações, o que não querem é que se saiba, nomeadamente algumas pessoas como os pais”, explica a psicóloga. Joana aponta que quebrar o estigma é um caminho “importante e infelizmente ainda é necessário. No contexto específico da FCSH tem havido cada vez mais abertura e creio que isso se deve ao facto de haver mais eventos e mais iniciativas” que induzem à participação dos alunos e também dos funcionários.

Ana Sofia Paiva

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