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Bárbara Tinoco: “Parecia que estava tudo no meu sangue”

Conquistou Portugal ao cantar uma música da sua autoria no The Voice. Hoje, Bárbara Tinoco prepara-se para lançar o segundo álbum e um EP com amigos, onde Carolina Deslandes e Bárbara Bandeira são apenas alguns dos nomes. Da NOVA FCSH para os palcos, este é o percurso da cantautora.

No quarto, com a guitarra e imaginação, Bárbara compunha as suas músicas. Todos os dias, quando saia da escola, era para a guitarra que regressava e lá, no mundo de quatro paredes, cantava e compunha o que mais gostava. A voz e o talento para a música haviam de sair para as rádios e para os ouvidos dos portugueses. Mas esse dia, em que pisou um palco pela primeira vez, só aconteceria aos 19 anos. Até lá, tudo começou com uma loja de instrumentos.

Essa loja era do avô e, mais tarde, a empresa passou para o pai de Bárbara: “Eu acho que a música é uma coisa assim meio da família e, quando eu era pequenina e não havia escola por algum motivo, eu ia para o trabalho com o meu pai e ficava lá a brincar com os instrumentos”, recorda.

Em casa, o cenário não mudava muito: “Em cada canto da casa tens uma guitarra, tens um piano na sala… a minha casa é uma casa de música”, apesar de ninguém, até Bárbara, ter sido músico profissional. Mas a música, sempre presente na vida da família, contagiou-a para sempre, tal como a poesia.

“Eu também tenho um avô que é poeta e parecia que estava tudo no meu sangue. Eu costumo dizer que sou a neta de um cantor e de um poeta e, portanto, estava muito mais do que destinado a acontecer”, conta com um sorriso. Desde tenra idade que Bárbara já escrevia “poemas parvos” no seu quarto, sobre portas ou sobre morangos, que mais tarde evoluíram para o “Antes dela dizer que sim”, o single que lhe lançou a carreira.

Começou por aprender guitarra com o pai. Ensinou-lhe dois acordes e disse-lhe: “Agora aprende estes e quando conseguires volta que ensino-te mais”, recorda a rir. E foi assim que aprendeu o instrumento ainda com poucos anos de vida. Quando tinha quatro anos, o avô ofereceu-lhe um ukelele, instrumento que guarda até hoje, em conjunto com mais duas guitarras. Bárbara teve apenas “três ou quatro” aulas de canto para descobrir as potencialidades da sua voz, ainda antes de ser conhecida pelo público. Para ela, era mais do que importante conhecer o seu instrumento vocal e continuamente aplicar a teoria à prática. Hoje, considera que canta muito melhor do que quando começou, não só por cantar mais, mas porque sente que conhece a sua voz.

Barbára Tinoco começou a compor com 16 anos. Créditos: Primeira Linha

Mas estudar música estava fora dos planos do pai, porque via como era a vida dos músicos que lhe apareciam na loja: “Era uma vida da noite, era uma vida dos copos, uma vida das drogas, uma vida de muitas mulheres, muitos homens, e eu acho que se perguntares a qualquer pai não é essa a vida que eles querem para os filhos”. Mas a música iria falar mais alto na altura de escolher o caminho para a universidade. No contraste da família musical de Bárbara está a mãe. Contabilista, independente e pouco entusiasta musical “sempre me disse que se eu queria estudar música, então devia era estudar música” e o pai e restante família também começaram a perceber que a guitarra e a composição eram os melhores amigos de Bárbara. “Para teres uma noção, quando me punham de castigo tiravam-me a guitarra, que era a pior coisa que me podiam fazer”.

E na altura de decidir que curso seguir, a primeira opção foi Gestão Turística. Mas Bárbara sabia que não tinha média para entrar e colocou em segunda opção a licenciatura em Ciências Musicais na NOVA FCSH. E entrou. “[Os meus pais] ficaram bué felizes. Deixaram-me fazer aquilo que eu queria fazer há tanto tempo”, conta a cantautora.

Durante o curso, Bárbara começou a perder a vergonha e começou a mostrar aos amigos as suas músicas e toda uma miríade de oportunidades começou a surgir. Mas a licenciatura, essa, é algo poético para a compositora: “Eu tecnicamente já acabei a licenciatura”, só que “eu digo que é poético faltar uma cadeira para acabar e, portanto, não acabo, porque sou tipo licenciada sem uma licenciatura”, explica. Quem não considera muito poético são os pais, mas Bárbara afirma que vai acabar um dia, porque isto de uma carreira na música começou a ficar sério quando decidiu ir a uma masterclass da Antena 1.

De um “sonho parvo” para o The Voice e para o Festival da Canção

“Faltam-nos tantos letristas porque é que estás a fazer isso?”, perguntou-lhe João Gil, guitarrista e compositor, na masterclass da Antena 1, sobre o facto de a compositora escrever a maioria das músicas em inglês. João Gil percebeu que a compositora escrevia muito melhor em português e que as letras eram bonitas “e aquilo fez-me um clique na minha cabeça e comecei a querer fazer muito mais músicas em português. E hoje em dia se escrevo em inglês é porque estou a escrever para alguém”, explica.

Depois desta masterclass, Bárbara conta que nunca mais ninguém questionou o seu sonho. Ela própria considerava que ter uma carreira na música era um “sonho parvo”, mas depois de mostrar a qualidade das suas composições, o sonho passou a ser plausível. Foi então que decidiu ir ao The Voice Portugal.

“Olhe, eu tenho a certeza que não vou passar”, disse a cantautora para o vocal coach do programa, antes de entrar no palco. Ele respondeu-lhe: “Olha as coisas acontecem quando têm de acontecer”. Nada mais acertado. Bárbara não estava destinada a passar das provas cegas, mas construiu a oportunidade de cantar a música “Antes dela dizer que sim”.

Meses mais tarde, depois de o programa passar na televisão, Bárbara teve uma surpresa que mudou o rumo da sua vida. Recebeu uma mensagem no Instagram de Pedro Barbosa, manager de artistas como Miguel Araújo, João Só ou The Black Mamba na empresa Primeira Linha. O Pedro Barbosa “é tipo o meu maior fã. Ele e a minha mãe estão numa competição feroz”, confidencia a cantora. “Às vezes eu vejo os outros artistas a queixarem-se de cenas, que os managers não gostam das músicas ou que as músicas não são single, e que isso sempre foi uma coisa que lhes custou, porque isso existe, mas comigo nunca existiu. O meu manager é tipo… gosta de tudo o que faço e hoje em dia é um dos meus melhores amigos”, aponta.

Assim começa a carreira de Bárbara Tinoco. “Antes dela dizer que sim” viu a luz do dia, uma música que compôs aos 16 anos para um concurso nacional, incentivada pela bibliotecária da escola secundária, que inicialmente era um poema, mas depois acabou por ter mais sentido musicado. É uma canção que “não [me] lembra uma coisa feliz, não [me] lembra nada, é só tipo uma canção que é minha, mas nem parece minha e tipo vou para sempre adorar tocá-la”.

Com a sua voz e talento foi convidada para cantar um tributo a Amália Rodrigues, em 2019, promovido pela Antena 1. “Com que Voz? Uma canção para Amália” homenageou a fadista, duas décadas depois da sua morte. “Barco Negro” foi a escolha da artista, que confessa não gostar de fado: “Sempre disse que não gostava de fado, mas o fado persegue-me, não sei porquê”, mas “foi um projeto muito divertido e quando estou a fazer estes projetos de homenagem tenho tendência a pensar na pessoa”.

Um ano depois, em 2020, chegou a oportunidade de ir ao Festival da Canção, ainda a pandemia era um “Se”. Foi convidada por Tiago Nacarato, cantautor portuense, a interpretar uma das duas músicas que tinha escrito, mas estava indeciso entre qual das duas e Bárbara terminou com a indecisão: “Eu tenho uma escrita um bocado irónica, costumo dizer que a ironia é o meu recurso expressivo preferido” e a Pass Partout era a canção que “tinha mais a ver comigo”. Tiago concordou e ambos foram até à final do Festival da Canção, conquistando o segundo lugar. “Eu sempre quis ir ao Festival da Canção como compositora do que como intérprete, mas se calhar foi um desafio ainda maior para mim [ir como intérprete]”, refere Bárbara.

Pouco depois da passagem pelo Festival da Canção, Bárbara e Tiago iniciaram uma tour em conjunto, mas chegou uma pandemia e abrandou toda a vida dos artistas. Porém, para Bárbara, foi a pausa de que precisava: “Eu tive um período em que não compunha e quando se deu a pandemia, deu-me um clique e eu voltei a fazer música”. A cantautora percebeu que a carreira “estava a correr enquanto eu ainda estava a andar” e o confinamento tirou-lhe algumas coisas, mas deu-lhe outras positivas, conta.

Bárbara considera-se otimista por natureza e, apesar de ter consciência de todos os constrangimentos e problemas que o vírus trouxe, afirma: “Tenho mais é de estar agradecida por todas as coisas boas. O ficar em casa foi também fazer música. «Se o Mundo acabar» foi para aí a primeira canção que eu escrevi e que gostei. Já tinha muitas compostas desde que parei de compor e, portanto, tipo foi super importante para mim”, reflete.

Agora, mais fortalecida e com todo o caminho pela frente, Bárbara prepara-se para pisar os palcos do Coliseu dos Recreios e do Coliseu do Porto ainda este ano e lançar o seu novo álbum.

Os pedidos de casamento e os Coliseus

“Mas não sirvo para mais nada? É só casar, só sirvo para pôr o anel do dedo?”. A reação de Bárbara aos vários pedidos de casamento durante 2020 foi caricata. Começou a receber vários pelo Instagram e decidiu partilhá-los na rede social. “Eu costumo dizer, muito chateada, que só recebo pedidos de casamento, não sirvo para mais nada”, diz a brincar.

No meio de mensagens divertidas e engraçadas que vai recebendo nas redes sociais, Bárbara prepara-se para atuar no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, no dia 13 de novembro, e no Coliseu do Porto, a 20 do mesmo mês, concertos agendados há dois anos. “É engraçado porque foi o meu manager que marcou com dois anos de antecedência [os Coliseus] para tudo veres o nível de fã que ele é” e Pedro Barbosa disse-lhe: “Não, nós daqui a dois anos vamos estar no Coliseu, não acreditas? Vamos estar”. E toda esta cena está gravada: “Há um vídeo bué engraçado de ele a dizer isso e eu «Não vou nada» e ele disse que sim e marcou os coliseus. Ele não previu uma pandemia (risos), mas não faz mal” conta com uma gargalhada.

A cantautora está feliz por ir tocar numa sala “tão bonita” e está a preparar-se para as atuações. Com a pandemia, o esquema é feito ao contrário: a tour do primeiro disco termina nos Coliseus. Depois disso, Bárbara apresenta o novo álbum, mais intimista e com canções escritas no mundo das quatro paredes do seu quarto. Mas antes, está a lançar o seu EP, um trabalho recheado de muita amizade e musicalidade.

“Cantares é estares nu, mais do que fisicamente, estás a abrir um bocadinho do teu diário às pessoas, nós cantamos os nossos segredos a todas as pessoas que não conhecemos”. E juntar amigos nesta questão tão íntima nem sempre é fácil. Mas Bárbara conseguiu uma harmonia com outros profissionais como Carolina Deslandes, Bárbara Bandeira ou António Zambujo. Este projeto surgiu na fase em que a cantautora não conseguia compor e sentiu a necessidade de acompanhar o processo de outros músicos: “E aí conheci o Zambas [António Zambujo], a Carol [Carolina Deslandes], o Mateus, que é um dos compositores mais importantes e uma das pessoas mais talentosas que eu conheço” e, sem dar por isso, tinha um EP de colaborações, que espera ter uma segunda edição.

“Foi um processo mesmo giro e tornei-me orgulhosa deste projeto que vai sair primeiro do que o meu álbum e não tem lógica nenhuma. Mas a minha carreira não tem lógica nenhuma e eu decidi que estas canções não faziam sentido nenhum no meu álbum” porque “não queria misturar canções”. O resultado deste trabalhou estreou-se no Casino Estoril, a 29 de abril, e o novo single da cantora (“Outras Línguas”) foi ouvido pela primeira vez na iniciativa “Grande Intervalo – Edição Especial” da FOX, no mês de março.

A cantautora, com 23 anos, tem vários projetos na mente o anseio certo para os realizar. Agora, os palcos esperam-na, depois de um ano de descobertas interiores e de realizações profissionais.

Fotografia de destaque: Bárbara Tinoco. Créditos: Pedro Bessa.

Ana Sofia Paiva

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