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Dar a conhecer a emigração invisível

Yvette Santos, investigadora do Instituto de História Contemporânea da NOVA FCSH, foi a vencedora da Bolsa Fulbright/Instituto Camões para Professores e Investigadores. Esta bolsa vai permitir-lhe perceber o que correu mal na repatriação de emigrantes portugueses em New Bedford no período entre guerras, um capítulo da História que falta contar.

O dia 1 de janeiro de 2022 vai marcar um novo capítulo no trabalho de Yvette Santos, investigadora do Instituto de História Contemporânea (IHC) da NOVA FCSH. Um novo ano e uma nova paisagem: nesse dia, a investigadora vai iniciar uma estadia de cinco meses, em New Bedford e em Providence, no estado de Massachusetts (EUA), ao abrigo da Bolsa Fulbright/Instituto Camões para Professores e Investigadores. O seu trabalho, a ser desenvolvido na Brown University, vai durar até 31 de maio.

O programa Fulbright é um intercâmbio educacional que proporciona a estudantes, investigadores e professores portugueses a oportunidade de investigar, estudar ou lecionar nos Estados Unidos da América e vice-versa. A Comissão deste programa foi criada em 1960, em acordo diplomático entre os dois países, mas em 2015 assinou-se um novo entendimento que “veio contribuir para o reforço da cooperação nas áreas da educação e ciência entre os dois países”, lê-se na página oficial.

Para o ano letivo 2021-2022, o programa atribuiu 41 bolsas a investigadores, professores e alunos portugueses, entre eles Yvette Santos, a única laureada na seção de Bolsas de Doutoramento Fulbright/Instituto Camões para Professores e Investigadores. O programa financiou mais 15 bolsas a americanos, no total de 56, atribuídas para a investigação em diferentes áreas de estudo.

“Eu tenho amigos e colegas que beneficiaram de uma bolsa Fulbright e pensei em concorrer, porque também é uma forma de internacionalizar o meu currículo, uma forma de trabalhar nos Estados Unidos, que sempre foi considerado uma referência a nível das políticas emigratórias para outros países”, explica a investigadora. Sente-se contente por ter conseguido a bolsa e, apesar de estar apreensiva devido à situação pandémica, considera que é uma oportunidade de “disseminar o conhecimento, daquilo que nós fazemos em Portugal e também internacionalizá-lo, através do contato com os Estados Unidos da América e com investigadores americanos, além de também aprender com eles e trazer isso para cá”, refere.

Desde 2004 que Yvette trabalha sobre a emigração política portuguesa no século XX. Começou por investigar a emigração francesa ainda na licenciatura em História, na Université de Paris VIII Vincennes-St-Denis, e no mestrado, na mesma universidade e com um semestre de Erasmus na NOVA FCSH, analisou as políticas de emigração portuguesa durante o Estado Novo. No doutoramento, na NOVA FCSH, continuou este tema e trabalhou especificamente a Junta Nacional de Emigração.

A bolsa de Pós-doutoramento da Fundação de Ciência e Tecnologia (FCT), que se dedica desde 2017, baseia-se na investigação das companhias portuguesas de navegação nacional e o transporte de emigrantes na rota Atlântico-Sul. Agora, a bolsa do programa Fulbright vai dar-lhe a oportunidade de investigar o repatriamento de emigrantes portugueses em New Bedford no período entre guerras, onde a comunidade de portugueses emigrantes era significativa.

O objetivo da investigação não é o de perceber o que correu bem nesta experiência emigratória, pelo contrário; Yvette quer demonstrar o que correu mal, entender o que acontecia aos portugueses quando solicitavam ao Estado Português o repatriamento. Por outras palavras, quer “dar visibilidade a uma emigração que é invisível”.

Yvette Santos quer mostrar como é que o Estado Português lidava com os cidadãos que não podiam ser repatriados no período entre guerras. Créditos: Ana Sofia Paiva

Dar nome e rosto a quem não tem lugar na História

O repatriamento, tal como a palavra indica, é o ato de voltar à Pátria, por livre vontade. Para isso, o Governo tem mecanismos de ajuda para o regresso, mas qual era a realidade destas políticas nas décadas entre as duas guerras mundiais?

O interesse de Yvette pelo tema começou numa conferência, em Itália, sobre crianças e repatriação. Na época pré-covid, em 2017, Yvette apresentou uma comunicação, depois transformada em capítulo de livro, sobre emigrantes portugueses no Brasil na década de 1920. “A minha questão era saber como é que o Estado Português protegia os cidadãos que estavam numa situação de precariedade socioeconómica e que não tinham emprego, não tinham meios para sobreviver. Como é que o Estado Português protegia os seus cidadãos que estavam no estrangeiro?”.

A reposta a que chegou não era evidente à primeira vista: “Apercebi-me que na realidade não eram o mais vulneráveis que voltavam para Portugal”, afirma a investigadora. O Estado Português ajudava os emigrantes a regressar, mas primeiro, esse cidadão precisava de ter alguém responsável em Portugal que o sustentasse. Só neste caso é que o processo de repatriamento tinha início. As famílias, porém, eram mais fáceis de repatriar, dado que era garantido que o pai, a mãe e os filhos iriam trabalhar para se autossustentar no país.

Contudo, os casos de cidadãos que não conseguiram auxílio do Estado permitiram a Yvette chegar a uma conclusão na comunicação que apresentou em Itália: “Quando tens uma criança que está no Brasil e que não tem família em Portugal, ou que tem família, mas que não quer assegurar a responsabilidade, essa criança não é repatriada. Então apercebi-me que havia um filtro”.

Apesar de o Governo Português assumir toda uma narrativa e políticas de auxílio aos cidadãos, a verdade é que tudo era uma questão económica, refere a investigadora. Não era possível repatriar todos os emigrantes portugueses. Esse filtro, na realidade, era uma hierarquia.

Homens que ainda não tinham cumprido serviço militar, cidadãos com capacidades físicas ou de boa saúde, e famílias inteiras são alguns exemplos desta hierarquia que permitia ter prioridade para ser repatriado. No caso das mulheres que emigravam sozinhas, a situação era mais complicada: como muitas não conseguiam encontrar emprego, por não terem família, acabam por ser exploradas e entrar no mundo da prostituição.

Era muito difícil para as cidadãs, à época, encontrar um meio de sustento. Algumas conseguiram graças à ajuda de cônsules que lhes conseguiam um trabalho como criadas ou as colocavam num colégio de freiras para aprenderem um ofício. “O mundo do trabalho para as mulheres era muito limitado, porque há a questão moral”, diz Yvette.

Então, nos casos em que o repatriamento não acontecia – porque não existia dinheiro e ajuda para todos – como é o Consulado Português lidava e geria estas pessoas? Como é que se dá uma resposta a quem não tem saída?

Estas são algumas das perguntas que vão guiar a investigadora durante os cinco meses de pesquisa em New Bedford, na Brown University e no arquivo do Consulado Português: “O Consulado é uma peça chave na repatriação, porque é ele na realidade que decide, é ele o intermediário, é ele que negoceia com as várias entidades”. Porque a repatriação, continua a investigadora, “não envolve só o Consulado, envolve as associações que ajudam, envolve as companhias de navegação com quem o Consulado negoceia os preços da passagem. Há toda uma serie de atores envolvidos nesse processo e que também têm uma influência na decisão”.

Numa época de instabilidade política e económica como foi o período entre as guerras, a investigadora quer perceber como é que estes emigrantes viviam em solo americano, quais as suas condições, como é que solicitaram apoio ao Consulado e como é que este os ajudou ou não. No processo, Yvette quer dar um nome e um rosto a estas pessoas, perceber as suas histórias, traçar o seu percurso. Lembrar que a História também é feita de falhanços.

“O grande problema, também, é que muitas vezes se fala de uma emigração de sucesso que tem uma visibilidade, e não se fala daqueles em que o projeto de emigração, a experiência, não correu bem”. Mas, explica a investigadora, esta invisibilidade pode ter acontecido pela vergonha que estas pessoas sentiam à época, porque sair do país e não ter sido sucedido pode ter sido um motor para gerar vergonha “e então tentam não ser visíveis na sociedade”.

Contudo, a experiência negativa e a aprendizagem histórica com o que correu mal pode ser uma ferramenta para repensar as políticas de emigração e de repatriamento para corrigir as falhas que se encontram neste processo. No futuro, a investigadora quer alargar a comparação para outros países, como França, Itália ou Espanha e escrever a História de quem não teve sucesso, dar um rosto àqueles que viram o seu repatriamento aceite e negado. Fazer do insucesso, um sucesso.

Ana Sofia Paiva

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