Notícias FCSH

A NOVA FCSH está em casa há um mês

Os portões estão fechados e a esplanada vazia. O isolamento chegou à comunidade da NOVA FCSH e toda a harmonia profissional teve de ser adaptada. Passado um mês, como é que os alunos, docentes e funcionários se adaptaram a esta nova rotina?

 Com a substituição dos serviços presenciais pelos virtuais, todo um “novo mundo” de ferramentais digitais desabrochou na primavera do isolamento. As reuniões e as conversas passaram a ser à distância de um ecrã, através da plataforma Zoom, Google Hangouts ou Whatsapp, que permitem a proximidade à distância de um clique.

Mas nem todos estavam preparados para a mudança de paradigma no trabalho: “A grande dificuldade é que nós, à semelhança da grande maioria dos profissionais deste país, não tínhamos nem ferramentas, nem conhecimentos para subitamente, sem qualquer tipo de preparação ou de aviso, submetermos o trabalho que fazíamos presencialmente em teletrabalho”, conta Cátia Carvalho, dirigente da Divisão de Bibliotecas. A surpresa e adaptação foi um processo com que toda a equipa teve de lidar.

Após verificar que todos dispunham de um computador e internet em casa, o grupo pôs mãos à obra para dar resposta a todos os utilizadores da biblioteca Mário Sottomayor Cardia (BMSC). Essa foi a principal preocupação, refere Cátia, dado que a requisição de livros físicos não é possível. Comunicaram as alternativas disponíveis através de e-mail e nas redes sociais, como os e-books, as bases de dados e repositórios, que podem ser acedidos pelos alunos em casa.

Cátia Carvalho, dirigente da Biblioteca da NOVA FCSH

Tenho quase a certeza que nos estamos a esforçar e a fazer o melhor na medida daquilo que sabemos porque isto vai passar!

Mas a habituação ao “novo mundo” do teletrabalho pode ter os seus “quês”. As reuniões por estas plataformas podem ser constrangedoras, comenta Ana Costa, responsável pela Divisão de Apoio ao Aluno: “Fizemos a reunião de dirigentes pelo Hangouts e estavam lá 16 pessoas, mas eu só conseguia ver quatro” e “é estranho porque numa reunião não estás sempre a olhar para aquelas quatro pessoas”. Além disso, a interação é mais limitada, porque “tens de esperar para falar para acrescentares algum ponto de vista”.

 Já a maioria dos contactos – que antes já era feita através de e-mail – passou também para o Whatsapp, onde as conversas tentam fluir como se um dia normal de trabalho se tratasse. É o que acontece com a Divisão de Apoio ao Aluno, em que se tenta com que “esse grupo seja a nossa ‘sala’ para tornar tudo isto um bocadinho mais normal”, afirma Ana.

Uma sala virtual que é muito frequentada entre as nove da manhã e as 17 horas, o horário normal de trabalho que Lourenço Gouveia Booth, funcionário do Núcleo de de Integração Profissional e de Antigos Alunos (NIPAA), se disciplinou para manter. A passagem para o teletrabalho não foi “um grande choque” para a equipa porque este processo há muito que tinha vindo a ser trilhado, conta Lourenço: “Tirando a questão do atendimento presencial, nós já tínhamos tudo preparado para o teletrabalho, até porque passo muito tempo fora, em eventos, e eu e a Sofia já tínhamos muitos dos documentos na drive e tudo organizado”.

No NIPAA, as respostas aos alunos e o acompanhamento em relação ao voluntariado ou estágios curriculares têm sido eficazes e positivos, revela Lourenço, fruto da organização que este núcleo já detinha antes da passagem para o teletrabalho. Mas o verdadeiro desafio foi colocado aos professores da NOVA FCSH.

Marisa Torres da Silva, docente no departamento de Ciências da Comunicação, sentiu a dúvida do ensino à distância como uma nuvem negra de inquisição. Mas progressivamente fez o seu caminho e adaptou as duas aulas do segundo semestre. Porém, é um sistema que “é ajustado de semana a semana, conforme vejo aquilo que está a correr bem ou mal”, afirma.

Uma das aulas tem 75 alunos, dos quais cerca de 50 a 55 alunos assistem através do Zoom. A preocupação da docente é com os restantes alunos que não conseguem comparecer devido a problemas de conexão de rede. Por isso, grava as aulas e disponibiliza-as mais tarde. Apesar do esforço para que tudo corra bem, a docente percebe a preocupação dos alunos pelas videoconferências, num momento em que tudo está em cima da mesa: “Foi importante discutir a avaliação e negociar com eles”.

Na outra unidade curricular, a turma é mais pequena, tem 14 alunos. Marisa vinca que o propósito das aulas não é o de sobrecarregar os alunos, queixa que ouve com alguma regularidade: “É uma altura em que estamos todos cansados, não temos grande concentração. Eu exigi apenas o possível, manter o contacto com a matéria, manter um ritmo mais ou menos de trabalho”, e sublinha que “sermos humanos, termos empatia é algo fundamental nesta altura”.

Neste ensino à distância, outras ferramentas são utilizadas, como o moodle da NOVA FCSH. É método de José Lúcio, professor no departamento de Geografia, que leciona através desta plataforma. “A preparação das aulas baseia-se em muita pesquisa de textos de diferentes autores que analisam assuntos relacionados com os programas das unidades curriculares das quais sou responsável”, refere.

José Lúcio, professor no Departamento de Geografia da NOVA FCSH

Os vírus aparecem e desaparecem. A Universidade Nova de Lisboa permanece!

Mas as aulas também podem ser uma fonte de relaxamento. Rui Zink, docente no departamento de Estudos Portugueses, afirma que a questão da avaliação terminou, porque “nunca foi essa a prioridade enquanto fui professor e para os alunos também não deveria ser”. O professor não considera as videoconferências como aulas porque não “são circunstâncias normais”. Ao invés, fomenta a boa disposição: “Eu disse-lhes que o importante é estarmos bem dispostos, não deprimirmos, é levantar o astral! Essa é a prioridade porque já tinha alunos preocupados em entregar trabalhos”, conta.

Através das plataformas digitais propõe atividades aos alunos: “Tento fazer desafios, proponho uns exercícios, jogos, sempre com objetivo de aprender, mas principalmente para estarem bem. E o problema é que há alunos com pior rede do que outros”. Nesses casos, tenta acompanhá-los através de outros mecanismos como o chat do gmail, episódio que aconteceu com um aluno guineense e que “foi uma belíssima hora e estivemos por escrito a fazer coisas concretas”, afirma.

A febre da produtividade e da brincadeira

 Em 2017, uma entrevista da BBC News a Robert Kelly, analista político e professor na Universidade Nacional de Pusan, sobre a Coreia do Sul tornou-se viral. O tema não foi a causa, mas sim os dois filhos do professor que decidiram entrar na sala, longe das mãos da mãe preocupada. Bastou menos de um minuto para que a situação se normalizasse com a correria da esposa de Robert, mas o sucedido foi a prova que tudo pode acontecer numa videochamada.

Para quem tem filhos pequenos e agora está a trabalhar em casa o desafio é ainda maior. Cátia Carvalho tem dois filhos, um de quatro e outro de sete anos, que lhe preenchem os dias. O marido também está em regime de teletrabalho e os dois tentam conciliar os horários. Já as rotinas, essas, são mais difíceis: “À parte das refeições que se mantêm mais ou menos à mesma hora, tudo o resto é um bocadinho difícil de gerir: os períodos de trabalho, os períodos de lazer, os períodos de descanso”, afirma.

O trabalho vai-se fazendo em tempos distintos, articulado com o do marido, para que ambos consigam atingir os objetivos laborais. O tempo com os filhos é destinado a fazer os trabalhos e as sugestões criativas que os professores enviam e, à parte disso, “de uma forma politicamente incorreta, que isto não fica bem dizer”, confessa Cátia, “a televisão, a playstation e o tablet continuam a ser as nossas bengalas nesta situação”.

Confidencia que “o limite que os pais dão de tempo aos filhos não deve ser tão rigoroso, imagino que isto seja transversal a todos”, mas “os jogos de tabuleiro, que também existem cá em casa e os livros” são outra das formas de pedalar no tempo.

Marisa Torres da Silva, docente no departamento de Ciências da Comunicação da NOVA FCSH

Um dia isto vai acabar, não sabemos quando, mas  quando acabar vamos fazer todos uma mega festa com muitos abraços e beijos e com muita alegria!

Para estes pais deveria ser feita uma homenagem, afirma Marisa Torres da Silva. Sente-se afortunada porque são apenas 10 minutos de automóvel que a separam da casa dos pais, em Lisboa. Esta pequena distância permite-lhes, a ela e ao namorado, ter um horário de trabalho mais cómodo. Todas as precauções são tomadas com as crianças quando saem de casa e quando entram em casa dos avós, garante a docente.

“É sempre um risco, porque isto a qualquer momento pode mudar”, explica “eu falo muito com os meus pais e falamos até que ponto eles estão dispostos a manter esta situação”. Até então, esta é benéfica para ambos: “Isto até tem sido bom a nível psicológico [para os meus pais], porque eles são tão dedicados aos netos que agora tirar-lhes a visita deles iria ser muito pesado”, nota. À tarde, todos os dias depois das quatro horas, a puerilidade regressa a casa. O aspeto positivo é que ainda nenhum dos filhos de Marisa e de Cátia “invadiram” uma reunião em videoconferência, como aconteceu a Robert Kelly.

Enquanto na casa de Cátia e de Marisa se consagra o reino da brincadeira, na de Rui Zink é natal. Tem consigo os seus dois filhos, o mais novo que teve que regressar do programa Erasmus, e o mais velho que regressou do estrangeiro e isolou-se com a família. “Nós por enquanto fomos das pessoas mais afortunadas nesta crise. Os meus filhos estão comigo, parece natal cá em casa”, enfatiza o professor.

Nos momentos de lazer, aproveita para jogar FIFA com os filhos, principalmente com o mais velho, fazer sudoku na casa de banho, ver séries e filmes na Netflix e ainda vê no youtube combates de luta livre amadora. E porquê estes momentos de lazer? Na opinião de Rui Zink, é ingénuo pensar que o facto de estar em casa, em isolamento, deve ser sinal de maior produtividade no trabalho.

Rui Zink, professor no departamento de Estudos Portugueses da NOVA FCSH

Desconfiem sempre de quem nos diz que “o trabalho liberta”

“É criminosa esta ideia que temos de viver para trabalhar. Para mim é uma luta ideológica, política” e acrescenta que, nas aulas, também fala com os seus alunos sobre isso “é a velha questão do ‘vivemos para trabalhar ou trabalhamos para viver’?”. Rui aponta que não é uma “obrigação moral trabalhar” por isso não deve ser um processo mecânico.

O isolamento não deve aumentar a febre de produzir porque “é preciso estar disponível” mentalmente. A fórmula do docente é simples, mas exige determinação: é necessária uma disciplina interior para que os resultados apareçam sem chicote e, ao mesmo tempo, ter momentos de lazer. “Agora aquela ideia feita de que o Shakespeare escreveu uma obra enquanto esteve isolado e nós devíamos fazer o mesmo é uma estupidez. Bardamerda com o Shakespeare!”.

Os sintomas de teletrabalho e a febre de ser cada vez mais produtivo por estar em casa, com miúdos à mistura num rebuliço de brincadeira, são motivos para que os docentes e os funcionários estejam cada vez mais cansados. Nesta onda, os alunos também se sentem mais esgotados e tristes porque tiveram de atravessar meio mundo para se isolarem em casa ou estão a perder os melhores momentos da Academia.

Estudar e ser finalista no outro lado do sofá

O que têm em comum um avião, uma cidade e uma universidade? A oportunidade de estudar. Cláudia Ayumi Enabe é finalista da licenciatura em Estudos Portugueses na Universidade de São Paulo e decidiu fazer um semestre fora do Brasil, em mobilidade. Fã de José Luís Peixoto e Gonçalo M. Tavares escolheu a NOVA FCSH e, quando saiu de São Paulo em janeiro, há muito que se falava no vírus no Brasil. Quando chegou a Portugal ficou “surpresa porque pouco se falava, era como se não existisse e então, os primeiros dias foram mais de adaptação, foram super normais”, aponta.

Sempre atenta às notícias e sob a preocupação dos pais no outro lado do oceano, a situação complicou-se quando a pandemia se aproximou de Lisboa: “As notícias que vinham da Espanha e da Itália eram muito alarmantes para os meus pais”, conta, mas a aluna não pretendia regressar e as aulas na NOVA FCSH prosseguiam ao seu ritmo. Quando se sentia mais sozinha, ia até à beira rio ver o pôr-do-sol.

Cláudia Ayumi Enabe, finalista da licenciatura em Estudos Portugueses na Universidade de São Paulo

Usem o tempo que exige recolhimento: estudar, ler, e já que os estímulos exteriores estão restritos, aproveitar para crescer de outras formas, internamente.

Ao mesmo tempo, mais a Este, estava Luzia Lambuça, aluna do segundo ano de licenciatura de Ciências da Comunicação, na Université Catholique de Louvain, na Bélgica. Decidiu que o segundo semestre seria dedicado à experiência de Erasmus e embarcou para o país em janeiro.

Mas apesar de existir o alarme para a propagação do vírus, o clima político na Bélgica não deixava antever o que estava para acontecer no futuro, garante Luzia: “Em Portugal já havia medidas de contenção, mas na Bélgica era como se nada se passasse. Aliás, no dia antes de cancelarem as aulas na universidade, eu fui até Bruxelas e foi normal, não se passava nada”, conta.

A decisão de voltar a Portugal foi num piscar de olhos. A cidade universidade começou a ter casos positivos e o regresso de Luzia foi tão abrupto que teve de deixar parte das suas coisas na residência.

Quando todos estavam prestes a deixar os quartos, parecia uma “situação de guerra” porque “de repente quase todos os alunos de Erasmus estavam a ir embora e a perguntavam uns aos outros «Tu também vais embora? Eu também!»”, descreve.

De um momento para o outro, Luzia teve de abandonar a cidade e a experiência de Erasmus. Continua com as aulas à distância, mas confessa que o trabalho não é muito: “Gostava de ter mais porque agora tenho mais tempo” e acrescenta que tem estado “numa fase muito estagnada, limito-me apenas a existir”, confidencia.

Luzia Lambuça, aluna de segundo ano do curso de Ciências da Comunicação na NOVA FCSH

Se não fizeres nada neste tempo, não te sintas um fracasso. O tempo é uma construção social

Cláudia, por outro lado, decidiu regressar de um dia para o outro e tudo por causa de uma ida ao supermercado. “Eu estava decidida a ficar, eu tinha dito aos meus pais que tudo ia ficar bem, que eu ia esperar pelo menos duas semanas”, mas quis o destino que no dia a seguir o panorama se alterasse. Foi logo pela manhã ao supermercado e quando se deparou com a falta de produtos ficou “muito assustada e achei que era hora de voltar”.

Em conversa com uma amiga que estava em mobilidade no Porto, a dúvida do encerramento das fronteiras começou a ecoar. Num único dia e depois de horas a negociar a alteração do voo de regresso, Cláudia conseguiu voltar a São Paulo três dias depois. Além disso, aponta a aluna, as condições de alojamento da residência no Lumiar não eram as melhores em termos de conforto e de conectividade. Agora, Cláudia continua a ter aulas na NOVA FCSH à distância de 10 horas de viagem, sem escalas.

Se para Luzia e Cláudia as experiências de estudar noutro país foram adiadas, apesar de um curto espaço de tempo, Jack Neill ainda conseguiu ficar uns meses em Portugal. O aluno do terceiro ano de Línguas Modernas na Universidade de Southampton, no Reino Unido, decidiu estagiar no último ano da licenciatura. Escolheu a NOVA FCSH e desde agosto de 2019 que estava na Divisão de Apoio ao Aluno, a integrar e a auxiliar os alunos que vêm do estrangeiro.

O regresso à sua casa, numa zona rural do Reino Unido, foi por força da residência Fraústo da Silva onde estava, explica. Recebeu um e-mail, no dia 13 de março, a pedir para sair do edifício devido à pandemia e às medidas de contenção. Ligou para a Ana Costa, dirigente da Divisão, e soube que a faculdade ia fechar: “Tive medo de que a situação se agravasse e que as fronteiras fechassem, por isso decidi voltar a Inglaterra, no dia 15 de março, no domingo”, conta.

Quase seis meses depois de aterrar em Portugal, Jack voltou a casa dos pais com a impressão positiva de Lisboa: “As pessoas são mais convidativas, e eu que sou de uma zona mais rural de Inglaterra, foi bom estar em contacto com um meio mais cosmopolita. Gostei do estilo de vida, as pessoas são mais relaxadas”.

Jack Neill, aluno do curso de Línguas Modernas na Universidade de South Hampton

Precisamos de ser positivos neste período de incerteza e distância, a comunidade da FCSH voltará mais forte do que nunca quando estivermos todos novamente na esplanada

A experiência numa universidade “fora de portas” fazem parte da vida académica e do enriquecimento pessoal dos alunos, tal como o último ano da licenciatura. Carolina Silva, finalista do curso de Ciências da Comunicação, sente o peso de não aproveitar ao máximo estes últimos meses da licenciatura: “Estou triste porque não vou passar o último semestre com a malta do curso e estamos a perder toda essa experiência que é uma coisa importante. Se calhar toda a gente se lembra do último ano do curso e das cerimónias, e estou triste relativamente a isso”, conta.

Com uma réstia de esperança, Carolina ainda espera ter direito à cerimónia de finalistas no final do isolamento. Por Whatsapp, fala com os colegas de turma e refere que a proximidade é maior do que seria se estivessem todos juntos na esplanada. Mesmo assim, a aluna sente falta do convívio e da rotina. Isolou-se com a companheira de casa ainda antes de a NOVA FCSH fechar: “Não sou hipocondríaca, mas vi a coisa malparada, e também a minha colega de casa stressou muito mais ao início e também me pegou um bocadinho desse stress. Começamos logo a seguir as notícias e mesmo antes disto tudo explodir já estávamos agarradas à televisão”.

Decidiu voltar à casa dos pais em Portimão e tem aulas online, apesar de nem sempre a qualidade da rede de internet ser a melhor. Porém, tem as unidades curriculares em diferentes plataformas e faz o estágio curricular numa agência de consultoria e marketing a partir de casa. “A nível de trabalho, sinceramente, não sinto assim grande diferença. Já ouvi alguns colegas a dizer que é como se estivessem quase de férias, outros que têm mais trabalho do que teriam se tivessem na faculdade”, aponta.

Carolina sente-se motivada e equilibrada no trabalho que lhe é exigido e a nível pessoal considera que “está a ser um período de abre olhos para percebermos o que é importante na vida acelerada de antes porque não conseguíamos fazer coisas que agora fazemos”. Antes não se lembrava de ler um livro sem ser para a faculdade e agora conta que já conseguiu a “liberdade” de ler uma obra que gostava.

Carolina Silva, finalista do curso de Ciências da Comunicação na NOVA FCSH

Parabéns pelo trabalho dos professores que acho que estão a lidar bem com isto, eu pelo menos continuo motivada e o ensino à distância está a ser tão bem-sucedido como o ensino presencial.

Cláudia aproveita o tempo para tricotar, atividade que a distrai, e Jack usufrui da única saída do dia para ir dar uma caminhada com os pais ou então andar de bicicleta. Já Luzia, apesar de ainda se estar a adaptar à lentidão do tempo, tem espaço para estar à varanda e tempo para conviver com os pais.

A pandemia trouxe consigo preocupação, alarmismo e precaução, mas tem ajudado a avivar a memória de outros tempos e a recuperar o que se foi perdendo ao longo dos anos.

O remédio do isolamento e a cura do tempo

Há quanto tempo foi o nosso sétimo ano de escolaridade? Ainda há amizades que se salvam com a passagem do tempo? Para Lourenço Gouveia Booth, sim. Desde o seu sétimo ano que não falava com um amigo, que está na Alemanha, e com a pandemia ficou preocupado com ele e contacta-o. A amizade – suspensa pela falta de tempo – reavivou: “Socialmente isto tem coisas estranhas, mas ao mesmo tempo o isolamento tem-nos dado oportunidade de falar com pessoas que não falávamos há anos”.

Lourenço tem amigos um pouco por todo o mundo e a pandemia permitiu-lhe retomar o contacto. Quase todos os dias falam e partilham as experiências do isolamento. A situação atual é complicada, difícil e frustrante, mas no meio da negatividade, há sempre os aspetos positivos que acabam por reavivar atividades esquecidas.

Mas para isso, é necessário “manter a sanidade mental”, aconselha Lourenço. “São precisas essas horas de trabalho, mas depois é preciso saber separar as coisas, saber que essas horas são de lazer e de distanciamento do trabalho”, acrescenta. Nas oito horas que tem de tempo livre começou a ler o Memorial do Convento, de José Saramago, tirou o pó ao ukelele e musica algumas notas à noite e, para além de subir todos os dias seis lances de escadas para beber café no último andar do prédio, ainda cozinha “verdadeiros pitéus”.

Lourenço Gouveia Both, funcionário no Núcleo de de Integração Profissional e de Antigos Alunos (NIPAA) da NOVA FCSH

Para todos os funcionários, alunos, colaboradores, mantenham as rotinas e não esqueçam de hora a hora levantar e fazer uns minutos de exercício. Cumpram a máxima “corpo são, mente sã”

Já fez teatro virtual para os sobrinhos e adianta que a casa “nunca esteve tão limpa!”. No trabalho, motiva-o saber que “a FCSH tem estado à altura” e que “tem sabido adaptar-se, muitos funcionários não sabiam que tinham de trabalhar em casa, mas temo-nos ajudado uns aos outros. Isso tem sido um desafio interessante”, afirma.

O teletrabalho é realmente desafiante, mas parece que a distância aproximou, ainda mais, os funcionários. No grupo de Whatsapp dos dirigentes, Ana Costa confidencia que “aconteceu uma coisa muito engraçada”. Cada um sabe o que cada divisão está a fazer “mais do que no nosso dia-a-dia no normal, porque cada assunto é perguntado no grupo, o diretor responde e transmite-nos diretamente a informação, e habitualmente isso não é uma coisa que aconteça, não é?”, aponta.

O resultado da soma do teletrabalho e da distância resulta “em maior proximidade” o que “acabou por ser interessante porque nos aproximou mais no momento em que estamos afastados”, afirma Ana. Também a relação dos alunos com os professores fortaleceu-se na espiral de trabalho que ambos têm, conta Carolina Silva: “Ironicamente, acho que sinto mais proximidade com os professores. Porque não há aquela pressão de ter que ir falar com os eles sozinha, assim mandamos um e-mail, não temos que andar à procura do gabinete ou qual é o horário de atendimento”.

Esta visão é corroborada por Ana, que nota que “os coordenadores, os professores, os orientadores na esmagadora maioria têm sido muito atentos, muitos preocupados com os alunos”, principalmente nos casos em que os alunos tiveram de desistir dos programas de Erasmus, de estágio ou de voluntariado curricular para se juntar às unidades curriculares normais. “Têm sido incansáveis na integração deles na faculdade”.

Ana Costa, dirigente na Divisão do Apoio ao Aluno na NOVA FCSH

A comunidade da NOVA FCSH está mais unida do que nunca, a sua distância física não a está a constranger, pelo contrário; está a torná-la mais unida, e esse sentimento – esperamos todos – vai continuar daqui a pouco tempo, quando a situação se normalizar, pudermos beber o nosso café e ver os jacarandás a florir na esplanada

Contudo, apesar de os alunos desistirem de voluntariados ou estágios curriculares por ser impossível fazê-lo em casa, este factor não impossibilitou um aluno da NOVA FCSH de continuar a ajudar os sem-abrigo, o voluntariado que estava a fazer antes do isolamento. O e-mail que Lourenço recebeu deste aluno comoveu-o, porque “ele quis continuar porque quer ajudar. E isso enterneceu-me porque não são só ECTs que valem e é muito gratificante ver os alunos a crescer”, afirma.

Por outro lado, há alunos que aproveitam este tempo de isolamento para colocar as ideias em ordem e para programar o seu futuro. Cláudia Ayumi Enabe tem agora tempo para pensar, para perceber o que é mais importante, ao mesmo tempo que escreve o seu projeto de mestrado, à semelhança de Jack Neill, que agora pode dedicar-se, com mais calma, ao final da sua licenciatura.

Porém, há muitos estudantes que estão numa situação mais difícil, que não têm um ambiente familiar ideal ou que perderam o seu emprego. Estão no expoente da ansiedade e é aqui que os serviços de psicologia entram em cena. O serviço de psicologia da NOVA FCSH, fornecido por Olga Cunha, tem adaptado as suas ferramentas para chegar a todos os alunos que precisem de conversar.

A apatia ou a grande quantidade de tempo disponível pode ser inimigo da sanidade e é preciso combatê-la, pouco a pouco, como Luzia Lambuça está a fazer: “Eu gosto de pintar, mas não tenho paciência. Tenho tentado introduzir algumas coisas na minha rotina, mas a pouco e pouco. Por exemplo, tenho estado a cozinhar refeições vegan para os meus pais, para introduzi-los nisso”.

O tempo com a família é outro dos grandes privilégios do isolamento, aponta Cátia Carvalho, Marisa Torres da Silva e Rui Zink. Para o docente, “há uma prioridade muito clara: a vida está acima do trabalho”. E os três referem que são uns afortunados: têm saúde, ninguém da família está infetado com o COVID-19, e tanto eles como os parceiros têm trabalho. “Pequenos” aspetos que fazem a diferença.

A verdade é que nada será como antes. Um mês depois da NOVA FCSH ter encerrado, a luta para levar o conhecimento aos alunos e manter a ordem na desordem é a missão da comunidade da faculdade. Em breve, a esplanada vai voltar a estar repleta de vida, mas com o devido distanciamento. Entretanto, os jacarandás florescem e os patos passeiam pela esplanada da NOVA FCSH.

Ana Sofia Paiva

Most popular

Most discussed