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O palco é uma esplanada

Às vezes está na esplanada, mas ultimamente têmo-la visto no palco. Estuda no segundo ano de Ciências da Comunicação na NOVA FCSH e chegou, pela segunda vez, às meias-finais do The Voice Portugal.

É domingo, ainda não são sete da manhã e Jéssica já acordou. A voz tem que aquecer. A música de logo à noite acompanha a viagem de Almada, de onde é natural, até Alcochete, onde se localiza o estúdio do “The Voice Portugal”.

O dia começa com provas de guarda-roupa, mas o foco de Jéssica continua na música. Depois de aquecer a voz, segue-se o primeiro ensaio em estúdio. Jéssica já está familiarizada com este palco. Depois de ter chegado à semifinal do concurso em 2016, na equipa de Áurea, volta como All Star, desta vez, na equipa de Diogo Piçarra.

“Desde sempre que estive rodeada de música. A minha mãe canta. Eu ainda estava na barriga dela e já a ouvia cantar”, diz, entre risos. A primeira vez que cantou em público foi num karaoke. “Era muito envergonhada”, confessa. “Não tem nada a ver com o que sou agora. Hoje em dia falo com toda a gente, canto para toda a gente”, revela. Em criança, todos os fins de semana cantava em algum lado. Jéssica explica que foi esse contacto direto com o público que a ajudou a desinibir-se: “Foi um grande treino”, recorda.

A mãe, Maria José Ângelo, confidencia que a filha “nunca teve muita noção do talento natural que tem”. No entanto, sempre presenciou o seu esforço e dedicação: “Ela é uma pessoa mesmo muito trabalhadora”, refere. Com o passar do tempo, a noção da paixão pela música ampliou-se e Maria José testemunhou este percurso: “A Jéssica empenhou-se seriamente na construção da evolução que conseguimos perceber nela atualmente”, disse.

“Uma das primeiras memórias que tenho da Jéssica é de a ver cantar na esplanada da nossa faculdade e ver cada vez mais pessoas a aproximarem-se para a ouvir”, conta Rita Coutinho, amiga. “Não a conhecia bem na altura, mas percebia-se que ela era feliz a cantar”, relembra. Hoje, Rita reconhece na Jéssica a junção das “maiores ferramentas para alcançar qualquer coisa: o amor e o trabalho”. A amiga de faculdade não tem dúvidas ao dizer que “a evolução da Jéssica na música acompanha a evolução da Jéssica enquanto pessoa. Conforme o tempo passa, o amor por aquilo que faz intensifica-se”, sublinha.

O tempo passou e foram vários os programas de televisão nos quais Jéssica participou. O primeiro foi o “Uma Canção Para Ti”, na TVI. Apesar de ter sido há uma década, a cantora recorda a aventura que viveu com nove anos como se fosse hoje: “Foi uma experiência muito fixe, ainda me lembro da sensação”. Um ano depois passa pelo “Ídolos Kids”, um passatempo inserido no talent show da SIC. A grande experiência foi o “The Voice Portugal”, em 2016. Prova disso é o regresso de Jéssica à edição de 2020 do caça-talentos da RTP1.

A almadense começou a partilhar esta paixão pela música com amigos e acabaram por formar uma banda. O namorado, Pipe Leonardi, e o irmão, João Leonardi, ambos guitarristas, juntaram-se a Jéssica em 2013 num projeto marcadamente acústico, os “Stroice”, que hoje conta com mais um elemento: David Goulard, pianista. Esta banda representa uma das maiores realizações para Jéssica: “não preciso de mais nada para ser feliz”, confessa. A sonoridade inicial do grupo musical que já conta com mais de dez temas originais deu origem ao nome – strings (cordas) e voice (voz).

A composição faz parte da vida da cantora desde há dois anos. O português é a língua predileta: “É a nossa língua e é uma língua muito forte”, refere. No entanto, sente necessidade de apostar em formação, algo que quer concretizar no futuro. “Sinto que me faz mesmo muita falta”, desabafa. Um curso de literatura ou de poesia está nos seus planos: “Há momentos, em determinadas músicas, que sinto que se tivesse a estudar isto era muito mais fácil”.

Além da música, a almadense revela um grande entusiasmo pela área do teatro e da televisão: “Via-me a apresentar um programa ou mesmo a trabalhar em jornalismo de investigação, por exemplo, ou como repórter. O trabalho atrás das câmaras não me interessa tanto, mas o de fazer espetáculo, fazer televisão”, confessa. Jéssica está no segundo ano de licenciatura em Ciências da Comunicação, área na qual também se sentiria concretizada: “Mesmo que a música não resulte da forma como eu idealizo, serei também muito feliz na área da comunicação e a fazer música em paralelo”.

Hoje, Jéssica é uma pessoa confiante. Mas nem sempre foi assim. Quando recorda a primeira vez que participou no “The Voice Portugal”, com 15 anos, vê “uma miúda que tinha alguma compulsividade e ansiedade e que era excessivamente perfecionista em tudo o que fazia”. Se algo não corresse como esperado, revela que “se fosse preciso, ficava uma semana de rastos”. Conciliar a música com a escola “não foi nada fácil”, admite. A ajuda de um psicólogo fez com que mudasse a sua forma de ver a vida e aprendesse a gerir melhor as situações.

Apesar da pressão, o ano de 2016 marcou a vida de Jéssica, com a participação no talent show da RTP1. Entrou diretamente na segunda fase do programa – As Batalhas –, na sequência de uma desistência, e chegou à semifinal na equipa de Áurea, que sempre foi uma referência enquanto artista e que passou a sê-lo como pessoa. “Ela tentava sempre fazer com que nos sentíssemos confortáveis”, conta. A mentora escolheu-a fase após fase, o que se converteu numa enorme gratidão por parte de Jéssica: “Apesar de eu ser novinha, ela acreditava em mim. Era um grande privilégio. Ainda para mais, a Áurea é uma pessoa que eu admiro e que tenho como inspiração”.

Os quatro anos que decorreram desde a primeira participação no talent show da RTP1 foram de crescimento. “Em 2016 notava-se muita imaturidade”, confessa. Se o perfecionismo sempre fez parte da sua personalidade, hoje manifesta-se de uma forma mais saudável. Antes de entrar em palco, o nervosismo mantém-se e deve-se, sobretudo, a uma questão de responsabilidade. “A música é uma coisa que mexe comigo, eu quero mesmo isto para a minha vida, então o período antes de entrar em palco é muito complicado. Antes era pior, mas ainda hoje sinto isso. Quando começo a cantar, passa imediatamente”, refere. Apesar de sentir uma evolução significativa, Jéssica sente sempre que tem algo a melhorar. “É uma evolução constante”, diz, acrescentando que a composição a ajudou a dar mais importância a cada palavra e a dar valor à transmissão de uma mensagem através da música.

Com “It’s A Man’s Man’s Man’s World”, um eterno clássico de James Brown, Jéssica pisou pela primeira vez o palco das Provas Cegas. Quis mostrar o “power feminino” e fez virar as cadeiras de Áurea, que imediatamente a reconheceu, e ainda de Diogo Piçarra e António Zambujo. Apesar de não ter carregado no botão, Marisa Liz não tinha dúvidas do seu potencial e apontava-a como uma potencial vencedora desta edição. Para Jéssica, Diogo Piçarra marca a nova geração da música portuguesa e por isso, escolheu-o como mentor. O vídeo da sua atuação conta com quase 300 mil visualizações no Youtube e muitos são os comentários que revelam satisfação pelo regresso da almadense ao “The Voice Portugal”. Em concordância com o que aconteceu em 2016, passou todas as fases do programa e chegou, novamente, às galas em direto.

No vídeo de apresentação, Jéssica define-se como corajosa. As suas escolhas musicais demonstram-no e a sua tessitura vocal, elogiada por muitos, permite-lhe interpretar temas mais complexos. No entanto, a cantora tem noção dos riscos que corre: “Eu gosto de arriscar, mas tenho de me lembrar que nem sempre as coisas correm bem. Há que ter um certo controlo”. Trabalhar com Diogo Piçarra ajudou-a nesse sentido e tem sido uma grande experiência para Jéssica: “O Diogo é o artista mais humano que eu já conheci. É uma pessoa incansável. Vê-se que ele quer para nós o que quer para ele”, afirma.

Com o mentor, Diogo Piçarra

“Para mim aquilo não é uma competição, aquilo é o meu trabalho. E eu tenho de o fazer bem feito, até porque vai influenciar o rumo da minha banda”, explica Jéssica, que vê no “The Voice Portugal” uma oportunidade para a visibilidade dos “Stroice”. Quando fala da banda, não consegue esconder o sorriso: “Não me vejo sem eles. São uma família com quem já me habituei a partilhar o palco. Agora no The Voice sinto a falta deles”, confessa.

A partilha de momentos entre concorrentes marca as tardes de domingo. É a parte preferida de Jéssica que, por momentos, até deixa de sentir a pressão que um programa de televisão em direto para o país inteiro envolve. Perto das 21h00, as luzes acendem-se, as câmaras posicionam-se e o espetáculo começa. A “pessoa que ilumina e enche uma sala com a melhor energia do mundo só pelo simples facto de aparecer”, como a definem os mais próximos, está prestes a subir ao palco. Nervosa. Porque está a fazer o que ama.

Hugo Garrido

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