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Treinar e estudar em tempos de pandemia

Sentido de organização, espírito de sacrifício e foco. Com o desporto no sangue, tentam conjugar dois mundos: os treinos e o curso na NOVA FCSH. O vírus veio revolucionar as rotinas destes atletas.

Competições agendadas, treinos garantidos e entregas de tese de mestrado marcadas. Este era o panorama geral dos alunos e atletas da NOVA FCSH até março de 2020, mas o aparecimento do COVID-19 reorganizou-lhes as rotinas.

“A adaptação às aulas online foi um pouco complicada porque parece que temos mais tempo, mas não é bem assim, há mais procrastinação”, conta Luana Dinis, aluna de Ciências da Comunicação e, paralelamente, esgrimista. Habituada a treinar num pavilhão repleto de atletas e ruído, estranhou a mudança na rotina. Pediu ao treinador um plano de treinos e ficou reduzida a uma televisão como companhia: “Tenho feito vídeos de cardio na televisão para ter alguma interatividade” porque “sinto-me mais motivada [para treinar] ao ouvir uma pessoa a falar”, ri-se.

Antes, o dia dividia-se entre treinar todos os dias e estudar. Luana conta que ainda é uma aventura conciliar os estudos e a esgrima mas, quando tem frequências, reduz os treinos para se focar nas matérias. Nem sempre consegue. Em 2019, por exemplo, a esgrimista teve um campeonato do mundo e teve que desmarcar frequências. No início deste ano, Luana subiu para o escalão de sénior, mas ainda não o conseguiu estrear a sério: quis a pandemia que todas as competições fossem adiadas.

Catarina Lucas Lopes é a irmã mais velha de Sebastião e ambos partilham o gosto pelos cavalos. Catarina está no curso de Ciências Políticas e Relações Internacionais (CPRI) e confessa que está a adorar, mesmo com as aulas online: “Se tivesse outra opção acho que me mantinha aqui e não saía”.

Catarina treina no clube do pai, Carlos Lucas Lopes – Equitação (CLL-Equitação), e a organização é a palavra que define a jovem cavaleira no equilíbrio entre o desporto e os estudos. Antes do confinamento, a jovem cavaleira tinha os seus objetivos estabelecidos: “Quando chegasse ao fim da semana tinha que ter todos os meus apontamentos da matéria até aquele dia para me poder organizar”. À sexta-feira, por não ter aulas, estava todo o dia com os cavalos e estudava à noite, depois de jantar.

Catarina Lucas Lopes não se arrepende de ter entrado no curso de CPRI na NOVA FCSH. Créditos: Afonso Bordallo Rodrigues

“Durante o período normal das aulas, ia de manhã à faculdade e quando saía pegava imediatamente no carro e ia para os cavalos”, conta. A semana corria ao sabor do vento, com tudo estipulado por Catarina. Mas quis a pandemia que a rotina passasse a andar a trote. O pai e o sócio decidiram alternar turnos para os treinos e as aulas no clube ficaram suspensas. A jovem cavaleira treinava de manhã a cada duas semanas, o que coincidia com as aulas online. Valeu-lhe um amigo que lhe emprestava os apontamentos para acompanhar as matérias.

Isto porque, na equitação, há sempre dois desportistas: “Nós não podemos de deixar de montar porque somos dois atletas, sou eu e o cavalo, e o cavalo ao parar pode ter problemas, e por isso não podemos deixá-los quietos nas boxes”, específica. O clube CLL-Equitação já regressou com as aulas de equitação e com as devidas precauções, mas a normalidade ainda é uma miragem.

Sonhos adiados

Patrícia Sampaio tinha um único objetivo para 2020: os Jogos Olímpicos em Tóquio. No segundo semestre da licenciatura de Ciências da Comunicação apenas se inscreveu em duas unidades curriculares. Tinha de ser realista: não iria conseguir fazer mais porque, em princípio, a maior competição do mundo estava à sua espera.

De um apuramento de dois anos na modalidade de judo, que estava praticamente garantido, a prova mais importante de Patrícia ficou a um ano e quatro meses de distância. “Andei a sofrer um bocado, porque foram muitas dúvidas, muitas incertezas e medo, tudo ao mesmo tempo”, revela a judoca, que confessa que “mesmo sabendo que era o mais acertado para a saúde de toda a gente, foi difícil aceitar”.

Patrícia ficou em isolamento ainda antes do Estado de Emergência, por ter estado em contacto com atletas que viajaram. Em casa, os primeiros tempos foram de experiências culinárias: “No início estava muito empolgada. Fiz muitos bolos, fiz pão, fiz tudo e mais alguma coisa”, conta a rir, mas depois começou a ficar mais cansada, porque os treinos continuaram com o irmão, também judoca e treinador, e um colega de treino.

Patrícia Sampaio continua a treinar para ir aos Jogos Olímpicos

A judoca continua a trabalhar no ginásio improvisado na sua casa, em Tomar. Se soubesse que a pandemia tinha vindo para adiar o objetivo dos Jogos Olímpicos, tinha-se inscrito em mais unidades curriculares. Apesar dos treinos intensos, conta que já conseguiu ver “três filmes, que deve ser mais do que consegui ver no ano passado”. Os treinos ministrados pelo irmão visam trabalhar aspetos físicos mais específicos e Patrícia já nota a diferença. Jigoro Kano, pai do judo, uma vez disse: “Quem teme perder já está vencido”.

Os atletas de alto rendimento têm condições especiais para entrar na universidade, dado que a média destes alunos é sempre mais baixa quando comparada com os restantes. Luana Dinis aponta a infeliz sorte destes futuros universitários: “Eu no meu 12º ano tive a oportunidade de ir ao campeonato da Europa e renovar o meu estatuto de alta competição” e “este ano tenho mesmo muita pena porque há pessoas que não tiveram essa oportunidade”, desabafa. Uma oportunidade que, para alguns, é adiada por mais um ano devido ao cancelamento das competições.

De remo na mão e com o rio Tejo como tapete de treino, Henrique Cerqueira pertence à equipa nacional de canoagem e já participou em  dois campeonatos do mundo e dois europeus. Ao mesmo nível, está a trabalhar para terminar a tese no âmbito do mestrado em Gestão do Território – Ambiente e Recursos Naturais. O encerramento da NOVA FCSH atrasou-lhe a componente prática da tese o que, naturalmente, adiou a entrega.

O confinamento veio tornar mais complicada a gestão da concentração: “É tentar jogar com os melhores horários do rio, é estar em casa e todos também estarem na mesma casa, e depois o sítio onde dormes e trabalhas é o mesmo. Talvez a dificuldade seja mesmo essa”, refere o canoísta, mas “é preciso saber lidar”.

Henrique Cerqueira está a terminar o mestrado em Gestão do Território – Ambiente e Recursos Naturais

O isolamento e o encerramento do clube onde treina, em Alhandra, não o impediu de continuar a treinar no rio: “O rio não fechou e trouxe para casa o barco”, aponta Henrique. Depois de dois meses fechado, o clube voltou a abrir, mas com restrições. O canoísta voltou aos treinos, mas é “toque e foge”, vai equipado e volta equipado para casa.

Raquel Lourenço, também a terminar a tese de mestrado em Ciências da Comunicação, viu-se confrontada com a instabilidade dos prazos de entrega. Agora já definido, continua focada na escrita para terminar esta fase, mas os treinos, por outro lado, tiveram que sofrer algumas alterações. Raquel pratica atletismo, nomeadamente corrida de barreiras e heptatlo (sete provas combinadas).

“Foi tudo de repente, não deu para planear nada”, conta “porque num dia a pista estava aberta e no dia a seguir já não estava”. Literalmente, os treinos de Raquel mudaram de uma tarde para a outra. Decidiu comprar algum material para treinar em casa, conseguia correr dentro das normas do Estado de Emergência, e treinava com o namorado, também atleta. Mas Raquel adicionou mais uma tarefa ao seu dia: dar apoio aos estudantes internacionais, como tutora num projeto experimental, via online.

Tem saudades de voltar à pista, mas que por enquanto prefere continuar neste regime até as normas estarem mais explícitas e regularizadas. O ano de 2020 é, sem dúvida, um ano de mudanças, até porque Raquel começou a estagiar como treinadora de atletismo e quer retomar essa experiência. Jesse Owens, atleta de atletismo, uma vez afirmou: “Todos nós temos sonhos. Mas, para os transformar em realidade, é preciso ter uma quantidade imensa de determinação, dedicação e esforço”.

Uma brincadeira séria

Com apenas três anos, Catarina Lucas Lopes era colocada no dorso do cavalo, e desde que começou nas aulas de iniciação, por volta dos cinco anos, nunca mais parou. Tem consciência dos perigos da equitação, mas também do prazer de montar a cavalo e competir.

Catarina estreou-se em 2009 nas provas, mas foi em 2015 que surgiu um companheiro importante para a jovem cavaleira: “[Foi] um cavalo que foi muito especial para mim e para a minha família porque foi o primeiro com que fiz o meu primeiro campeonato da Europa, em 2016”. Acabou por ser a única atleta feminina a ingressar, nesse mesmo ano, na equipa que representava Portugal, com mais quatro colegas.

Francisco Batista, a escrever a tese para terminar o mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais, começou a interessar-se pelas mesas de ping pong na escola. Daí até ao ténis, foi apenas precisa a intervenção de um amigo: “Ele desafiou-me a ir e o meu amigo já jogava há cinco ou seis anos, mas eu ainda lhe dei luta”, aponta. O clube ficou interessado e Francisco acabou por fazer uma aula experimental “para ver se tinha qualidade e consegui uma vaga no clube”.

O atleta consegue conciliar os estudos e os treinos porque pratica duas vezes por semana. Com o isolamento, o dia reparte-se entre a escrita da tese e os exercícios que vai fazendo em casa.

Francisco Batista está a terminar o mestrado em CPRI

A esgrima surgiu na vida de Luana por causa de um susto e de uma brincadeira. Aos seis anos caiu de um cavalo enquanto praticava equitação. Os pais, conscientes dos riscos, resolveram incentivar a filha, de “uma forma despercebida”, a explorar outras modalidades. E de uma brincadeira surgiu a ideia da esgrima, conta Luana: “Um dia estava na sala com o meu pai e estava a dar esgrima na televisão e eu e o meu pai começamos na brincadeira um com o outro”, esboça um sorriso ao recordar “e o meu pai disse-me se eu não gostava de experimentar o desporto (…) e como fiquei com essa brincadeira na cabeça, foi a altura ideal para começar”. Tinha nove anos e desde então a esgrima continua no seu dia a dia.

A brincadeira tornou-se séria e, para a atleta, a esgrima é um “xadrez desportivo” porque “obriga a pensar muito nas decisões que tens de tomar imediatamente, e também é um desporto muito importante a nível da coordenação”, explica. Além disso, a modalidade é a metáfora das medidas de proteção em relação ao vírus: “O meu treinador brinca ao dizer que a esgrima é o desporto indicado para a pandemia porque temos máscaras e luvas e mantemos a distância, e é verdade”, diz entre gargalhadas.

Em 2019, a esgrimista recebeu o prémio de atleta feminina do ano da Câmara Municipal da Amadora. Luana não estava à espera de vencer e aponta que ficou comovida, não pela exposição mediática, mas sim pelo reconhecimento: “Quando sabes que alguém reconhece o que tu fazes, quer seja muito depois, é realmente muito reconfortante e senti-me muito bem”.

Também Patrícia Sampaio foi eleita Atleta Feminina de 2019 pela Confederação do Desporto de Portugal, a 29 de janeiro de 2020. Mas o judo não foi amor à primeira vista. Experimentou quando tinha sete anos e não gostou. Só mais tarde, com nove anos, é que se entusiasmou pela arte marcial com a companhia de uma amiga. Essa desistiu e Patrícia continuou, com o seu objetivo de ser cada vez melhor e chegar aos Jogos Olímpicos.

Para Henrique, bastou uma provocação. Um primo que também pratica canoagem desafiou-o a experimentar e, aos 13 anos, começou o gosto pela modalidade. O desporto, afirma, é ótimo para manter a sanidade mental, principalmente nestes tempos: “Nunca é possível a abstração total, mas acho que é uma maneira de desligar um bocado. É útil para a escrita da tese, porque a tese é uma coisa que absorve muito uma pessoa”.

A prática desportiva é uma mais valia na pressão que o COVID-19 desencadeou na população, principalmente nos seus colegas que não têm “nada a que se agarrar”, e é “por isso que estudantes/atletas, em termos psicológicos ou de organização, até se podem safar relativamente bem”, aponta. O canoísta é disciplinado com os horários, em que pratica o acordar às sete da manhã e o adormecer por volta das 10 da noite. Dedica o tempo entre treinar e trabalhar na tese, mas não dispensa umas horas de lazer depois das seis e meia da tarde.

Raquel Lourenço (ao centro) tem saudades de voltar à pista

Estas horas em que o corpo e a mente desligam do desporto e dos estudos são benéficas para o relaxamento. Raquel Lourenço teve ainda mais vontade de treinar quando a pista fechou: “Era das poucas coisas que em casa me dava vontade de fazer e era a única coisa que se assemelhava a estar lá fora”. Mas o que a ajudou a relaxar foram as aulas online criadas pela NOVA Desporto, divulgadas nas redes sociais, principalmente as de ioga e de Pilates. “Foi uma boa iniciativa e acabei por descobrir estas duas modalidades e ir acompanhando o treino funcional”, que ajudou a “relaxar e resultou bem”.

O gosto pelo atletismo começou aos 11 anos na escola e foi captada, na altura, para um clube. “Eu nunca me via a deixar de estudar e ao mesmo tempo não me via a deixar o atletismo” e assim concilia as duas vertentes. Atualmente treina na Juventude Vidigalense, um clube de Leiria.

A vida não é só desporto

Ao som da Für Elise, de Beethoven, é possível contar a história da veia musical de Luana Dinis, ou então pelo tema “Are U Mine?” dos Arctic Monkeys. Não é só o desporto que preenche a esgrimista. A música é a forma de Luana se abstrair do mundo e de relaxar. Tudo começou aos seis anos, quando a sua vizinha, acabada de sair do Conservatório de Música, começou a dar-lhe aulas de piano.

Quando Luana tinha 12 anos, a professora emigrou para a França e atirou-lhe a hipótese de seguir música no conservatório: “Os meus pais sempre me deram poder de decisão e decidi que não queria”, conta. Foi assim que Luana acabou por descobrir conforto na música: “Acabei por me resguardar mais na música nesse sentido, de descontrair”.

Outra das iniciativas da NOVA Desporto foi a de juntar os diferentes atletas para um concerto e Luana foi uma das convidadas: “Quando eles me propuseram, eu disse-lhes que nunca tinha tocado para ninguém” e foi “super estranho porque a primeira vez que toco para alguém não tinha ninguém a bater palmas”, ri-se. “Mas tirando isso foi uma boa experiência”.

Luana Dinis toca piano desde os seis anos

Um estereótipo muito recorrente é que alguém que pratique uma determinada modalidade tem que, necessariamente, seguir um curso relacionado com desporto. Nada mais errado. “Eu no décimo ano fui logo para Humanidades, por isso nunca senti isso, e acho que também dava em doido”, aponta Henrique, ao conferir que nenhum dos seus colegas atletas que seguiram o curso de Ciências do Desporto tenha “levado o desporto [que praticava] até ao fim da licenciatura”.

Por outro lado, o pai de Catarina apenas exigia duas coisas aos filhos: boas notas e uma licenciatura fora da equitação. Ao princípio, com 10 anos, Catarina não percebeu a intenção, mas hoje dá valor à imposição do pai: se lhe acontecer algum acidente com os cavalos tem alguma coisa a que se agarrar. Decidiu enveredar pelo curso de CPRI para, entre outras razões, “entender porque é que decisões estão a ser tomadas de certa forma”, principalmente nesta altura pandémica.

Estes seis atletas e estudantes pertencem à NOVA Desporto, uma segunda casa e onde se sentem integrados. Raquel, Henrique, Catarina, Luana, Francisco e Patrícia já estão habituados a dizer “não” a certos eventos sociais como saídas à noite ou festas de aniversário. Mas o sacrifício é feito em prol de uma modalidade que lhes dá gozo praticar e competir, uma carreira com mais de uma década.

Ana Sofia Paiva

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