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Quatro projetos filhos do isolamento

São projetos que nasceram de uma provocação, de uma brincadeira, de uma necessidade e de uma medida de comparação. Dos postais sonoros de uma cidade entre quatro paredes, à menina de seis anos que já conquistou a internet, estes são quatro projetos que nasceram do confinamento.

Das teclas monocromáticas para as entrevistas, Júlio Resende, pianista, compositor e antigo aluno da NOVA FCSH, lançou o programa “Dez dedos de conversa” na rede social Instagram. Impulsionado por Rogério Charraz, seu amigo, ainda ponderou se deveria prosseguir com a ideia: “Depois de uma semana a pensar achei que sim, que podia dar esse contributo” e “misturar a entrevista com a música e dar a conhecer melhor essas pessoas ao meu público e trazer algum conforto às pessoas”, afirma o pianista.

As conversas são em direto no Instagram, às quartas e domingos. A primeira temporada teve convidados como Bárbara Tinoco, Luís Castro, João Manzarra e Júlio Machado Vaz, com quem já gravou um álbum. “A primeira temporada teve uma boa audiência e o Instagram tem muitas pessoas”, aponta.

A segunda temporada já está em curso e conta com convidados como Catarina Furtado, Sílvia Pérez Cruz e Eduardo Souto Moura: “É giro falar com pessoas de setores diferentes, elas individualmente e depois no seu setor, e claro, relacionar com a música”. Por exemplo, o homónimo do pianista, Júlio Machado Vaz, é sexólogo e psiquiatra. Já Eduardo Souto Moura é arquiteto. E desta mistura de convidados, a música vem sempre à “baila”.

“Achei que era um gesto mais original, menos usual”, refere Júlio. Para já, vai continuar com este projeto, mas depois de o isolamento terminar e a cultura voltar ao placo principal, o programa termina. Nos entretantos de um confinamento involuntário, o primeiro músico português a ter uma música original numa série da HBO, vai partilhando o passear dos seus dedos pelo piano nas redes sociais.

“A minha Pilar”, a menina de seis anos que está a conquistar a internet

“Olá, amigos”. É desta forma que Pilar, de seis anos, se apresenta ao universo digital. É filha de Paulo Castanheiro, sonoplasta na Media Capital Rádios e investigador no iNova Media Lab da NOVA FCSH, e todos os dias faz as delícias dos internautas. São pequenos vídeos em que a menina dá dicas sobre alimentação, exercício físico, livros e muito mais. E tem a participação de várias caras conhecidas como Fernanda Serrano, Vasco Palmeirim, Ljubomir Stanisic, Pedro Ribeiro, Vanda Miranda, Nuno Markl, entre muitos outros.

“Isto tem sido a loucura total”, afirma Paulo. “Fico muito emocionado com as mensagens que recebo e as pessoas já adotaram a menina como se fosse sua”. Começaram com uma brincadeira no Dia do Pai, em que gravaram um pequeno filme para enviar para os amigos da Pilar no grupo de Whatsapp. Paulo decidiu publicar nas redes sociais e “o feedback que tive foi monstruoso! E no dia a seguir a Pilar perguntou «Então papá, não gravamos?»”.

O entusiasmo da Pilar, a cada clipe, está estampado na cara. Adora colocar o microfone, estar em frente à câmara, mas, ainda mais emocionante é “ver-se na televisão onde ela vê os desenhados animados, então aí é a loucura para ela”, ri-se Paulo ao contar. Em tempo de quarentena, as terapias da menina de seis anos abrandaram, apesar de continuar a ser acompanhada via online. E estes pequenos vídeos são estímulos “que depois tem um retorno enorme”, aponta o pai, “a Pilar transmite-nos um ensinamento pequeno, mas para ela é cem vezes mais em termos de estímulos”.

O objetivo deste projeto é preencher os dias do isolamento da menina e do pai. Mas no meio da brincadeira de gravar cada vídeo, entra a irmã mais nova, Caetana, de três anos: “A mais pequena depois também quer participar” e os adereços não podem faltar “coloco o microfone e ela fala, fala, fala…. e depois as duas começam na brincadeira. É a gargalhada total”, confessa Paulo.

A rampa de lançamento do canal de YoutubeA minha Pilar” foi quando Pedro Ribeiro, diretor de programação da Rádio Comercial, propôs colocar os vídeos no website da emissora e desde então, a agenda de Pilar não pára: já tem 10 convidados gravados para os próximos episódios, conta o pai, e há mais pessoas que querem colaborar no projeto, sem fins lucrativos.

Agora, a maior preocupação de Pilar é a comemoração do seu aniversário, em junho. Há um episódio em que se assinala os três anos da Caetana, em isolamento, e Pilar teme não conseguir organizar uma festa que reúna os seus amigos da escola, conta o pai. Até lá, tudo é uma incógnita, mas os vídeos que grava fá-la “estar feliz e preencher os dias dela”, aponta Paulo.

Quando a vida retomar aos moldes ditos normais, o projeto “A minha Pilar” pode continuar, mas uma vez por semana, considera Paulo: “Ainda não pensei muito bem sobre isso, mas talvez sim, continue com um episódio por semana. Um por dia, com as atividades da menina e o nosso trabalho, é muito difícil”.

A menina de seis anos conquistou as redes sociais e a cada dia que passa todos têm direito a “um beijinho da Pilar”.

Se não vamos até à esplanada, a esplanada vem até nós

Quem tem saudades de beber um café e apanhar sol na esplanada da faculdade levante a mão. Há mais de um mês que os portões estão fechados, mas há quem cuide dos jacarandás e das plantas do espaço. Mas para colmatar as saudades da segunda casa dos alunos, a Associação de Estudantes da NOVA FCSH (AEFCSH) organizou o festival “Esplanada em tua casa”. Miguel Cosme, presidente da AEFCSH, refere que uma das complicações que a associação tem sentido por parte dos estudantes é a dificuldade em manter a saúde física e mental no isolamento e, para isso, decidiram atuar. Literalmente.

“Temos muitos estudantes que têm saudades da esplanada e da vida da faculdade e pensamos numa forma em que poderíamos levar a esplanada a cada um que estava em casa”, aponta Miguel. Assim nasceu um festival de três dias, com vários convidados, em que foi “relevante valorizar o talento que a faculdade tem e convidamos alunos e antigos alunos”. Na lista figuraram nomes como Hugo Casaca, Carolina Mendonça, Ricardo Pereira, Picas Maria e ainda convidados como Júlio Resende e Marta Rosa.

O festival aconteceu em direto no Instagram e houve um momento que Miguel recorda com muita estima: “Nós tivemos um momento muito bonito, que foi o Lima Wayne [nome artístico de Wilson Lima] que estava a tocar uma cover do Bispo e os amigos foram chamar o músico e ele entrou em direto. Foi um momento muito bonito”, conta.

O festival teve bastante adesão e a média de participantes foi de 100 pessoas, aponta o presidente da AEFCSH. Mas não foram só os artistas as estrelas do festival. Também a “Ti Lininha”, como é conhecida a funcionária da cantina, o Sr. Machado, segurança da faculdade, e Sara, funcionária do Com Sabor, participaram na campanha de divulgação. Em parte, porque “também [eles] sentem saudades da faculdade e dos estudantes”.

E da distância da faculdade e as saudades que lhe estão inerentes, a AEFCSH tem tido a preocupação “desde o início” de perceber as dificuldades dos alunos com a adaptação ao regime de aulas online e a situações económicos e/ou familiares. Desta auscultação surgiram as sessões das Jornadas de Saúde Mental da AEFCSH, em conjunto com Olga Cunha, psicóloga da NOVA FCSH. A última sessão, a 20 de abril, “correu muito bem, teve uma boa adesão porque é uma altura muito complicada para os alunos”, refere Miguel.

A ideia é continuar com este projeto até ao final do semestre e em épocas de exames. A próxima sessão terá lugar no dia 7 de maio. Porém, também estas iniciativas e o trabalho da AEFCSH é desafiante para os próprios elementos. Gerir o trabalho feito na associação e os próprios estudos é um equilíbrio que todos tentam encontrar. Miguel Cosme é finalista do curso de Ciências Políticas e Relações Internacionais e, assegura, “estamos a conseguir gerir na maioria dos casos. É um desafio”.

Os postais sonoros do isolamento

A que soa Lisboa turística sem turistas? Sem aglomerados nos bairros históricos da cidade? Iñigo Sánchez, investigador no Instituto de Etnomusicologia e Centro de estudos em Música e Dança (INET-md) da NOVA FCSH, responde a estas perguntas. Atualmente coordenador no projeto Sounds of Tourism, que avalia os impactos sonoros da capital devido à massificação do turismo, viu uma oportunidade no isolamento.

“Toda esta situação mudou tudo muito rápido e começamos a pensar como é que íamos reconduzir os nossos projetos”, explica o investigador. Inspirado nos phonocards ou talking cards, decidiu sair, tomar todas as precauções e “começou esta ideia de fazer as gravações em espaços turísticos sem turistas”, tornado as gravações em postais sonoros.

A cidade está mais silenciosa, mais calma e mais “amável”, afirma Iñigo. Há sons que sempre pintaram a paisagem, mas eram camuflados por ruídos, como o trânsito. Um desses exemplos é o “som dos pássaros, em que em algumas zonas têm passado para o primeiro plano da paisagem da cidade”. E até os pavões se ouvem, conta Iñigo: “É engraçado que quando estava a gravar no elevador da Santa Justa, conseguia ouvir o chilrear dos pavões no Castelo”.

Um postal diferente de Lisboa, principalmente no centro histórico onde era mais flagrante o passeio dos turistas. O cenário mudou, não se ouvem as diferentes línguas e os elétricos apinhados de pessoas, mas passou-se a ouvir “o murmúrio da cidade, dos ares condicionados, que embora as lojas estejam fechadas têm que continuar a funcionar. Portanto, há um continuum da cidade” que antes passava despercebido.

Para o investigador, é interessante notar a cidade desprovida de pessoas, principalmente nas festas da Páscoa, altura do ano em que muitos espanhóis vêm à cidade para as celebrações. “Há aqui dois fenómenos, que é a diminuição do turismo e as medidas de confinamento, que têm feito com que fiquemos em casa. Na cidade, nos meus passeios, tenho encontrado pessoas, mas não muitas”, indica.

A cidade está diferente e os sons negligenciados durante décadas regressaram ao ouvido dos indivíduos. Os postais sonoros são uma forma de “gerar conhecimento sobre o que está a acontecer e acho que ainda é um pouco cedo para refletir sobre o que está a passar, os efeitos, os impactos”, aponta o investigador, que acrescenta que “a ideia original é ter este material e depois vamos ver o que fazer, mais à frente”.

Iñigo reflete como é que o setor turístico vai ser reinventado, principalmente o lazer noturno, área que o projeto Sounds of Tourism investiga. Mas mais curioso está em saber como vai ser o verão na capital, época em que as ruas se enchem de turistas. Até lá, esta é a oportunidade para ouvir ao que realmente soa uma cidade sem trânsito, sem confusão, sem a celeridade do quotidiano.

E como em todos os postais, este é “De Lisboa, com pouco ruído”.

Ana Sofia Paiva

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