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Com que fios se tece uma cidade?

Acomodada no berço da Serra da Estrela, a Covilhã é uma cidade tecida a lã. A indústria de lanifícios é contada por operários que lhe dedicaram a vida, profissões em vias de extinção, e que hoje veem as antigas fábricas a renascer na cidade.

Reza a lenda que certa noite um pastor sonhou com uma estrela que lhe mostrava um determinado caminho. Motivado, o pastor decidiu abandonar a aldeia onde vivia com o seu cão e seguiu a estrela. Esse pastor caminhou por tantos anos que o cão morreu de velhice, mas o pastor não parou até encontrar o sítio daquela estrela, com quem falava todas as noites.

A palmilhar sozinho as terras do interior de Portugal, a estrela era a sua única amiga, eram inseparáveis. Quando o pastor subiu à serra e vislumbrou a enorme riqueza da natureza e percebeu que estava mais perto da sua amiga, decidiu viver ali. Reza a lenda que o Rei soube desta história e ofereceu ao pastor quantidades de riquezas em troca da amizade que tinha com a estrela, mas o pastor recusou. Ali morreu, no alto da serra. Diz a lenda que todas as noites a estrela mais brilhante do céu procura o seu amigo pastor.

Aquela serra passou a chamar-se Serra da Estrela, a mais alta de Portugal continental. Ali era lugar de transumância, de canadas por onde passavam os animais. Uma das passagens era na Covilhã e é aqui começa a história dos lanifícios.

“Em pleno Paleolítico, mais de 20 mil anos a.C., já havia queimadas na Serra da Estrela. Foram recolhidos pólens que demonstram que nessa altura já se faziam queimadas, o que significa que já havia um certo pastoreio”, explica Elisa Pinheiro Calado, investigadora do Instituto de História Contemporânea (IHC) da NOVA FCSH e fundadora do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior.

Os pastores palmilhavam a zona envolvente da Serra da Estrela e para lá dela e quando “regressam aos campos de onde partiam, passavam nesta zona da Covilhã. Havia aqui um grande comércio de gados que começa, de facto, com a lã”, explica a investigadora. Entre maio e junho, a altura da tosquia dos animais, os pastores passavam pela cidade e “a lã estava à mão”, o que permitia o fabrico de indumentária quente para os dias de inverno. Assim começa esta indústria, embora mais artesanal.

Elisa Calado Pinheiro, investigadora do IHC, no Museu de Lanifícios. Créditos: Ana Sofia Paiva

A lã era o elemento fundamental deste novo comércio, que conduziu à especialização através de outras matérias-primas da Serra da Estrela: “As águas das ribeiras, importantíssimas para as várias operações de transformação das lãs, para as lavagens, para a tinturaria, para os apisoamentos, é tudo à base das águas quentes e águas frias”, aponta Elisa Pinheiro e acrescenta “e depois as lenhas que serviam para o aquecimento das águas e para essas operações, portanto as lenhas das montanhas, daqui das encostas”, indica Elisa Calado Pinheiro.

Covilhã cidade neve
Fiandeira alegre e contente
És o gesto que descreve
O passado heróico e valente

De manhã quando te levantas
Que briosa vais para o tear
E os hermínios que tu encantas
Vestem lã para te namorar

E o pastor nos montes vagueia
Dorme à noite em lençol de neve
Ao serão teces longa teia
Ao tem bem que de longe te escreve

Este excerto de “Covilhã Cidade Neve” foi o tema interpretado por Amália Rodrigues em 1970, por ocasião do centenário da elevação da Covilhã a cidade. A canção, escrita por Joaquim Pedro Gonçalves e música de Nóbrega e Sousa, continua a ser um hino na cidade e abraça a tradição: os fios, os tecidos, a neve, a serra.

Mas séculos antes, já Gil Vicente e Duarte Nunes de Leão davam a conhecer nos seus escritos os panos covilhaes, entre o século XIV e XV, que constatava que a Covilhã era conhecida pela transformação da lã. E os lanifícios começavam a ficar mais sérios. As ribeiras, como a da Carpinteira ou da Goldra, corriam ao sabor da indústria e do melhor tecido.

“No século XVI começam a surgir as primeiras oficinas especializadas que permitem o salto porque já começa a ser uma atividade com um grau de especialização elevado”, afirma a investigadora. Alguns dos trabalhos para o fabrico do tecido deixaram de ser feitos em casa dos operários, tais como “os tintos ou as tinturarias, as tendas e os pisões, ou seja, tudo para os acabamentos e o tingimento” do tecido.

Pano do New Hand Lab a relembrar a tradição laneira. Créditos: Ana Sofia Paiva

Mas o que eram os pisões? Em tempos foram “oficinas onde entra o tecido que sai do tear e depois levava uma operação de encolhimento e encorpamento”, ou seja, “servia para o tecido ficar mais forte e resistente, e quando era muito apisoado era mesmo à prova de água. Portanto, os capotes dos pastores [tinham] um tecido altamente apisoado e a água caia e escorria”, explica a investigadora.

Este era o seu segredo para se aguentarem durante os rigorosos invernos. Na ribeira da Goldra, onde se encontra o Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior, era conhecida como a “ribeira dos pisões”, porque de montante a jusante foram descobertos 18, datados do século XVIII. Esta indústria chamou a atenção de Marquês de Pombal, que construiu a Real Fábrica dos Panos no coração da cidade, hoje o pólo princial da Universidade da Beira Interior.

A visão do Marquês e o trabalho infantil

“Comecei a trabalhar aos 11 anos, só tenho a quarta classe”. Os olhos azuis rodeados de rugas e o cabelo castanho claro já pintado com alguns brancos não denunciam os 51 anos de trabalho de Américo Paiva. “Comecei a trabalhar na floresta a lavrar as terras para os pinhais, tinha de ajudar a minha família a ganhar dinheiro”, conta. É o mais velho de cinco irmãos e hoje, com 63 anos, está reformado depois de 48 anos a ser tecelão.

Aos 12 anos entrou para a fábrica de lanifícios de Unhais da Serra, a sua terra natal. Começou na fiação, onde fazia o fio para a tecelagem. Dois anos depois, aos 14, foi para a fábrica da vila do Tortosendo para junto do seu pai, também ele tecelão. “Foi aí que aprendi o ofício e comecei como preparador, empeirar as peças e atá-las para os tecelões tecerem”, conta. 

Só aos 18 anos é que se tornou oficialmente profissional: “Comecei a tecer amostras e depois passei a tecer com dois teares. Aprendi também com o meu pai a tecer nos teares antigos”, diz. Não era chocante que as crianças começassem a trabalhar desde muito cedo e que a escola não fizesse parte dos planos. As famílias eram numerosas e havia que ganhar dinheiro. Assim foi com o pai de Américo Paiva e assim foi com ele.

Mas as crianças, já no século XVIII e XIX, constituíam uma importante mão de obra. Após as fábricas do Conde da Ericeira não terem vingado, devido a dissidências entre a comunidade de cristãos-novos que regulavam estas manufaturas, Marquês de Pombal vai construir a Real Fábrica dos Panos, em 1764. Esta fábrica “vai servir de modelo a outras que vão sendo construídas à volta”, explica Elisa Calado Pinheiro. 

Esta fábrica tinha outra valência, a de recolhimento dos órfãos: “[À época era] um Estado absolutista, mas que olha pelos seus súbditos, as crianças vinham para aqui, havia uma ala na Real Fábrica de Panos que tinha o internato, o alojamento dos miúdos, e tinham um regulamento muito próprio”, afirma a investigadora.

As crianças eram aprendizes dos lanifícios e trabalhavam cerca de 12 horas por dia. Acordavam às seis da manhã, ajudavam nas limpezas da ala, iam para a fábrica e depois recolhiam ao pôr do sol. Com o decorrer dos anos, aprendiam especializavam-se num ofício e fazia da fábrica o seu destino profissional.

Rosa Paiva não completou o sexto ano. Gostava de estudar, mas estava na hora de ir trabalhar e ajudar os quatro irmãos. É a segunda mais velha e aos 13 anos foi laborar para uma loja de comércio na vila do Tortosendo, onde esteve três anos. O caminho que fazia para casa cruzava a fábrica onde Américo trabalhava e foi assim que, aos 15 anos, se conheceram e nunca mais se largaram.

Depois, aos 16 anos, Rosa foi “trabalhar para a fábrica porque os meus pais diziam que eu tinha mais futuro”, explica. De cabelos grisalhos e de sorriso no rosto, a antiga urdideira explica como se iniciou na profissão: “Foi por acaso que me iniciei na profissão, na altura havia essa vaga e fui para ajudante de urdideira”, e acrescenta “quando uma pessoa se emprega já sabe o que vai fazer e aprender, no meu caso não sabia e tudo o que comecei a aprender foi com as minhas colegas”.

Na fábrica têxtil do Tortosendo, Rosa trabalhou 16 anos a embobinar lã e fio. Uma urdideira trabalha na urdissagem, ofício que precede a tecelagem. Antes de os fios seguirem para os teares, são urdidos e colocados nas bobines com o padrão que depois é tecido na tecelagem. Após o encerramento da fábrica, Rosa mudou-se para a fábrica onde Américo já trabalhava e aí ficou até à reforma, completando mais 30 anos de profissão.

Aos 22 anos, Américo regressou à fábrica de Unhais da Serra. Assistiu à mudança dos antigos teares para os novos: “Eram mais sofisticados, mas a aprendizagem era igual”, explica “começaram a aparecer os teares com computador. Passaram de vara a botões, que era mais fácil”, esclarece. De dois teares passou a estar encarregue de oito e depois a 12, o máximo permitido na profissão.

O tecelão dedicou toda a sua atenção, dedicação e concentração ao ofício, que lhe valeu 37 anos a trabalhar no turno da noite. “Eu não gostava, adorava a minha profissão! Ainda hoje sonho com isso, senti-me sempre realizado”, esclarece com um certo brilho nos olhos “nunca pensei chegar a tecelão porque era uma profissão difícil na minha altura, mas consegui”.

Rosa também gostou da sua profissão, que também lhe exigia muita dedicação: “É um trabalho de muita concentração porque basta mudar um fio da teia para fazer um defeito que depois vai para os teares”, conta. São vários os ofícios e fases para que a lã se transforme em fazenda para o fabrico de roupa. E são este tipo de profissões que começam a desaparecer.

O novo fôlego cultural na Covilhã

A mecanização que se assistiu ao longo das décadas foi importante para a especialização das fábricas de lanifícios. Só nas décadas de 1950 e 1960, as indústrias do concelho da Covilhã empregavam dez mil trabalhadores. Uma dessas era a fábrica António Estrela, erguida no século XVII na Covilhã, junto à ribeira da Carpinteira.

Em 1960, parte desta fábrica foi comprada por Júlio Afonso, técnico debuxador, que é como quem diz, o designer da fábrica. “O meu pai como proprietário e técnico nunca abdicou da profissão”, conta Francisco Afonso, filho e fundador do New Hand Lab – António Estrela e Júlio Afonso, o pólo cultural que preenche as paredes da antiga fábrica.

Entrada da fábrica. Créditos: Ana Sofia Paiva
Tecidos do século XX. Créditos: ana Sofia Paiva
Fios com história. Créditos: Ana Sofia Paiva
Ponte pedonal da carpinteira e chaminé da fábrica. Créditos: Ana Sofia Paiva
Chaminé, visto do interior da fábrica. Créditos: Ana Sofia Paiva

A necessidade da profissionalização nas fábricas levou a que no século XIX se criassem escolas e institutos para esse fim. A escola industrial Campos Melo, hoje escola de terceiro ciclo, ensino secundário e profissional, foi a primeira a abrir portas na cidade: “Teve muito sucesso. Até aos anos de 1960 sai daqui um escol de técnicos altamente qualificados, sobretudo os debuxadores, que era uma das profissões mais bem pagas do país”, conta Elisa Calado Pinheiro, que aponta que “muitos debuxadores da Covilhã foram para o Brasil e foram técnicos altamente qualificados em vários estados”.

Júlio Afonso, o último proprietário da fábrica António Estrela, que fechou portas em 2002, ganhou um galardão mundial em 1976 pelo seu trabalho como debuxador. Hoje, o espólio encontra-se na fábrica que alberga artistas residentes e atividades culturais, que recentemente adquiriu o título de Monumento de Interesse Público: “O classificar não foi só o edifício, as paredes digamos assim, mas sim o recheio. E quando estamos a falar do recheio, estamos a falar em maquinaria, mobiliário, matérias primas porque ainda cá há muito fio e tecidos que foram classificados”, explica Francisco.

Os trabalhos de Ana Almeida, uma das artistas residentes no New Hand Lab, produz bonecos com os fios da fábrica datados da década de 1970. São bonecos “com fios com história”, brinca Francisco. Mas o que pesou mais para a classificação foi precisamente o espólio do pai, reconhecido mundialmente.

A imagem do New Hand Lab é cunhada pela primeira peça fabricada em conjunto com todos os artistas residentes, o carocha. O automóvel era propriedade da família Afonso e estava a ser restaurado e foi do vislumbre da carcaça que surgiu a ideia da peça. “O carocha ficou pronto em duas noites”, conta Francisco “e depois da exposição no evento Expand Your Mind, na Covilhã, o carocha já saiu algumas vezes daqui”.

Francisco Afonso com o espólio do pai. Créditos: Ana Sofia Paiva
Notícia sobre o prémio internacional de Júlio Afonso. Créditos: Ana Sofia Paiva
Cartão de identificação de fios de 1973. Créditos: Ana Sofia Paiva
Carocha, a peça mais conhecida do New Hand Lab. Créditos: Ana Sofia Paiva
Teia de nove metros feita pelos artistas para a BTL de 2019. Créditos: Ana Sofia Paiva
Gelados de fio, criação de Ana Almeida. Créditos: Ana Sofia Paiva

Uma delas foi para BTL de Lisboa, em 2018, a representar a autarquia: “Foi atribuído ao stand da Covilhã o prémio de melhor stand da feira por causa da interação que criamos” porque “todos queriam estar dentro do carro e criamos toda a dinâmica em volta do carro ligado à lã e ao passado da cidade”. Não fosse o fio condutor deste pólo cultural a lã.

A fábrica voltou a ver a luz do dia em 2013. Desde então, “a porta está sempre aberta” porque, na realidade, “o edifício nunca esteve abandonado e todos os dias o Mário entra aqui”. O Mário conhece a fábrica como as palmas das suas mãos e com elas faz a manutenção da fábrica desde os 16 anos. Hoje tem pouco mais de 50 anos e mostra, com orgulho, as esculturas que vai fazendo quando tem algum tempo livre.

A fábrica é muito especial para Francisco. Não só porque trabalhou nela, passando por todos os ofícios até chegar à administração, mas também porque vive nela. Literalmente. “Eu vivo aqui dentro, vivo na casa do primeiro dono da fábrica, aqui por cima. É a minha casa. Estamos a falar de uma casa de 1853, a zona mais antiga”, conta com um sorriso orgulhoso.

“A nova fábrica de mãos”, nome em português, acaba por ter outras razões para garantir o futuro porque ganharam dois concursos: “Submetemos duas candidaturas, uma ligada à Europa Criativa, em que fomos os únicos em Portugal a representá-la com mais sete países. (…) É um projeto de 4 anos, um projeto muito ambicioso, vai haver um intercâmbio de culturas com os sete países”, conta Francisco.

O protocolo da segunda candidatura foi assinado no dia 6 de agosto, referente ao programa Valorizar: “É uma verba ambiciosa para nós e em que vamos adaptar o edifício, porque o edifício é um edifício antigo e temos que o adaptar a pessoas mais inválidas, digamos. E são essas as obras que vamos fazer aqui dentro do edifício”, aponta.

Francisco Afonso, o responsável pelo New Hand Lab e que vive na fábrica. Créditos: Ana Sofia Paiva

O Covid-19 desacelerou todos os setores da economia, e o New Hand Lab não foi exceção. Mas apesar disso, as candidaturas tornaram o ano de 2020 “feliz” para o projeto que, até à altura, não era financiado por nenhum projeto ou entidade. Contudo, o tempo parece ter um efeito mais profundo no que diz respeito não ao abrandamento da economia, mas à perda de profissões através dos séculos.

Já antes do 25 de abril de 1974, o modelo económico e industrial dos lanifícios estava gasto e obsoleto. O problema é que era “necessário uma grande transformação, era preciso uma mecanização acelerada e era necessário também uma certa diversificação”, explica a investigadora do IHC, algo que não se verificou a tempo também devido, em parte, por outras condicionantes, como a crise energética e a perda das colónias, depois da Revolução. Tudo ruiu como “um castelo de cartas”. Porém, não foi apenas a indústria.

Profissões em vias de extinção

Certas profissões também se perderam e outras estão em vias de desaparecer devido à elevada especialização. Uma das que se perdeu é a escolha da lã, relembra Elisa Calado Pinheiro: “As mulheres eram capazes de escolher a lã pela espessura da lã em microns! [equivalente a uma milésima parte do milímetro]”, uma escolha que tinha de ser feita de modo rápido e eficaz.

“Quando era nova queria ser ou costureira ou metedeira de fios”. É desta forma que Lucinda Pinheiro recorda os sonhos de menina. Acabou por aprender a ser metedeira de fios aos 14 anos: “Fiz a sexta classe pela telescola e depois fui aprender o ofício com uma vizinha minha” porque “éramos muitos irmãos, na altura não nos podiam pôr a estudar”, conta.

Durante anos, trabalhou em casa. Esta é das poucas profissões domésticas no seio da indústria de lanifícios. Depois da fazenda sair da tecelagem, é preciso ver se há algum fio fora do lugar, alguma imperfeição ou erro. É aqui que entra o trabalho de uma metedeira de fios: com o pano iluminado, consegue corrigir os erros através da agulha, em todos os tipos de tecidos, sejam eles sarga, cetim, tafetá ou de outro tipo.

Esta profissão “é altamente especializada”, explica Elisa Pinheiro Calado “e mais: quando falta algum fio, as metedeiras sabem colocá-lo com uma agulha e com o mesmo fio, sabem muito bem qual é o tipo de tecido, o tipo de debuxo utilizado e elas preenchem essas falhas”.

Lucinda trabalha na fábrica têxtil de Unhais da Serra, mas antes esteve muitos anos a fazer cortes em casa, por intermédio de outra senhora. Lucinda ainda é das poucas profissionais que consegue fazer os cortes à maneira antiga. Hoje, é através de uma máquina que gera uma luz forte que consegue ver os defeitos. “Há cortes, como o cardado, que são tão grossos que nem a luz passa. Então temos que utilizar a lupa para ver quando os pontos são mais difíceis”, explica.

O esforço visual é imenso e o trabalho obriga a longas horas sentada. “Há cortes que demoram dias, outros que demoram 20 minutos, outros horas… depende dos defeitos com que vem de trás”, afirma Lucinda. Esta é uma profissão especializada que está em vias de desaparecer porque se aprende em poucas semanas, mas leva anos a ser aperfeiçoada. Lucinda, com mais de qautro décadas de experiência, confessa que não conhece todos os pontos.

“Há um conjunto de trabalhos que eram muito especializados e que se perderam” afirma a investigadora do IHC. A verdade é que a tradição de lanifícios no concelho da Covilhã se tece com os fios do passado e com os do presente. No concelho da Covilhã há apenas quatro fábricas de lanifícios que dão emprego a centenas de pessoas, mas que a quantidade não se confunda com a qualidade. Há mais trabalho e encomendas do que antes, indica a investigadora.

Apesar de a indústria dos lanifícios já não ser o que era antes, a verdade é que o concelho da Covilhã e a cidade estão a tecer o presente com os fios do passado, com uma longa tradição que se espelha nos novos empreendimentos turísticos e culturais, como é o caso do New Hand Lab. Século após século, a estrela amiga do pastor assiste a estas transformações lá no alto da Serra da Estrela.




Nota: Américo Paiva e Rosa Paiva são familiares da autora.

Ana Sofia Paiva

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