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Luís Severo: de sociólogo a cantor

Luís Gravito tem 27 anos e é licenciado em Sociologia pela Universidade Nova de Lisboa. Mas é mais conhecido por Luís Severo e pelos quatro discos que lançou em quatro anos.

“Já tinha saudades disto”, afirma Luís Severo, enquanto se recosta numa das cadeiras da esplanada da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (NOVA FCSH). O cantor de 27 anos está acompanhado pela sua fiel companheira Nico.

“Quando andava cá tinha menos preocupações e mais tempo livre. Por isso, era uma pessoa mais leve. Mas não sei se isso é bom”, confidencia. Concluiu a Licenciatura em Sociologia em 2015. Da “mais operária das ciências sociais”, ficou sobretudo o método que transporta para o processo “de tentativa e erro” de composição de discos.

Durante o curso, gostava de assimilar as matérias que eram lecionadas de modo a relacioná-las com a vida real, afirma Miguel Ferraz, colega de Luís Severo. “Sempre se mostrou interessado pelo mundo e pelo que o rodeia”, acrescenta.

O seu percurso na faculdade é indissociável do clima de crise profunda que se vivia. A recessão deu-lhe liberdade, pois olhava ao seu redor e não via nenhum dos seus colegas com uma vida estabelecida. “Se estava tudo mal, porque é que não haveria de arriscar?”, recorda.

O seu primeiro disco, “Cara D’Anjo”, foi lançado em 2015 e tem músicas que foram compostas quando ainda frequentava a NOVA FCSH. Esse álbum foi “uma prova de fogo, um tudo ou nada, porque se não corresse bem eu teria de encontrar outra ocupação”, esclarece o cantor. Ainda viveu com algumas dificuldades até 2017, quando lançou o disco seguinte, “Luís Severo”.

Rodrigo Vaiapraia, agente de Luís durante os dois primeiros discos, garante que “a garra” esteve presente desde o início e que nunca o abandonou. “Fazíamos muitas noitadas a mandar e-mails para tentar marcar concertos. Já havia nele uma vontade e dedicação tão grande que ultrapassava quaisquer necessidades biológicas [em termos de cansaço]”, diz. Foi, então, com “Luís Severo” que o público se rendeu ao cantor. “Foi um disco cheio de singles e que funcionava bem na rádio. Passei a tocar para 150 ou 200 pessoas, quando anteriormente tocava para 50. Foi um salto enorme”, afirma o artista.

O início no MySpace

Luís Severo aventurou-se pela primeira vez na música 10 anos antes, em 2007. Foi nessa altura que se propôs a compor, pois a formação musical já a tinha. Fê-lo a partir do seu quarto, por consequência de uma rede social chamada MySpace, que “deu um sentimento de música para músicos”, nas palavras do cantautor. A intenção era de se manter anónimo, pelo que não tinha fotografias, não dava concertos e adotava um nome falso que levou consigo durante 8 anos. “Cão da Morte” surgiu de um livro da Agatha Christie. “Nunca foi minha intenção que houvesse uma vinculação da minha pessoa àquele nome. Ao fim de 3 ou 4 anos, comecei a ter fotografias e as pessoas começaram a saber quem é que eu era. Aos poucos, apercebi-me que já não se justificava o nome falso porque o anonimato estava quebrado”, garante.

Em 2015, quando lançou um disco “um pouco mais sério” e que mudaria o rumo da sua carreira, achou que era o timing certo para mudar. “Optei por ‘Severo’ porque é o meu apelido materno e achei que era uma homenagem bonita à minha família do lado da mãe. A minha avó materna não teve filhos homens e por isso o nome não continuaria”, explica.

Foi no MySpace que ouviu pela primeira vez Samuel Úria, B Fachada e Benjamin (na altura, Walter Benjamin). “Muitos nomes conhecidos que hoje enchem salas, vi-os a atuar para quatro pessoas”, elucida. Aos 15 anos, Luís despertou para um mundo diferente. “Toda aquela música era composta em casa. Embalada de maneira manhosa e vendida a dois euros. Isso deu-me a perspetiva de que a música podia ser acessível. Até lá, os discos que conhecia vendiam-se na FNAC com edições gigantes feitas em estúdio”, diz o compositor. “Aquele momento da música portuguesa foi muito importante e abriu espaço para coisas que hoje achamos naturais. Já não é um espanto um miúdo dizer que fez um disco em casa, mas na altura era”.

Simultaneamente, Luís Severo fala de um processo de integração nas elites lisboetas por consequência da música que descobriu no MySpace. “Eu sou de Odivelas, um subúrbio a cerca de 20 minutos de Lisboa. Ninguém à minha volta conhecia aqueles artistas que criavam uma música de rotura, de vanguarda, sem grandes fins lucrativos”, esclarece. Foi assim ficou a conhecer melhor a cidade de Lisboa, que considera muito diferente, distinta e oposta do subúrbio. “Nunca me senti como quem vive cá, sempre me senti um estranho na cidade. E muitas das pessoas com quem contacto daqui não têm consciência da sua bolha. Refleti um pouco sobre isso no segundo disco”.

As inspirações musicais vieram principalmente daquele grupo de cantores portugueses em surgimento, combinadas com os músicos estrangeiros que Luís Severo ia descobrindo, como Nick Cave, Bob Dylan e Leonard Cohen. Garante que hoje permanecem as mesmas. “O meu gosto musical não mudou muito, apenas tem continuado com os discos que vão saindo e se enquadram no estilo que eu gosto”, diz.

Inspirado também por duplas como Chico Buarque com Caetano Veloso e Gilberto Gil com Jorge Ben, que lançaram discos ao vivo, lançou também em 2017 o álbum “Pianinho”. “Havia muita gente que dizia que preferia certas músicas cantadas ao vivo, a solo e mais despidas de arranjos, em vez da versão dos discos de estúdio. E eu gosto do conceito de discos ao vivo… Acho importante fazê-los, por isso fiz um”, esclarece.

O terceiro álbum de estúdio, denominado “O Sol Voltou”, saiu no início de 2019. É mais variado em relação aos anteriores, pois Luís Severo quis romper com o formato de bateria, baixo e banda de rock que estava vinculado aos dois primeiros. “Quis ter coragem e assumir que queria fazer uma coisa nova e diferente. Queria que fosse mais acústico porque não o tinha em nenhum disco, mas também queria jogar com a eletrónica porque gosto. Acho que o contraste fez bastante sentido porque o disco concetualmente é muito sobre opostos e contrastes”, expõe o artista.

Rodrigo Vaiapraia, amigo e antigo agente, diz que o processo de trabalho do Luís se foi tornando mais singular e mais afastado de pressões sociais. “Ele faz decisões que não são óbvias. Não é vítima da tendência. Sabe o que quer e vai por aí. Sempre foi muito autónomo e independente. Isso tornou-se mais evidente com a experiência que foi ganhando ao longo dos anos”.

2018, um ano especial

O ano de 2018 foi, nas palavras de Luís Severo, “um ano bastante especial” que se reflete no último álbum. “Morreu uma pessoa muito importante para mim, mas também nasceu uma pessoa muito importante. Inevitavelmente, esse ciclo fez-me pensar. Por essa razão, não me apetecia fazer outro disco exclusivamente sobre a complexidade de sentimentos por uma pessoa e sobre a forma como a cidade e o seu contexto condicionam e influenciam as nossas ligações e relações pessoais. Já o tinha feito”, esclarece.

Em “O Sol Voltou”, o cantautor confessa ter tido ainda mais cuidado e atenção às letras. Quis que cada frase fosse bonita por si. No que toca ao processo, revela que tem muitas ideias para letras de canções a partir de frases. “É a coisa que mais involuntariamente me aparece. Imagino um chavão e escrevo a partir daí”, conta. Um sistema que parece estar a dar resultados. “Já várias vezes pessoas me disseram ‘aquela letra sou tão eu’ e acho que isso é positivo. Não conto as coisas do ponto de vista universal, mas tento dar uma universalidade na forma como conto.”

Luís Severo gosta de compor sem instrumentos, apesar de tocar guitarra e piano. Diz preferir a guitarra durante os concertos “porque o piano abre um espaço físico mais complexo, exige que esteja sentado, e leva-me a cuidar menos o canto e a voz. Contudo, o piano abre-me mais possibilidades e leva-me a mais sítios”.

Diogo Rodrigues, amigo de longa data que está sempre presente em estúdio e que toca com Luís Severo quando este se apresenta em banda, revela os hábitos do cantor antes de se apresentar em palco. “O Luís, antes de um concerto, gosta sempre de ter um tempo para ele, seja no camarim ou num quarto de hotel. Gosta de andar de um lado para o outro, sozinho, para se concentrar e aquecer a voz. É a única pessoa que pede, se for possível, e em qualquer sítio, os quatro canais generalistas para ver as suas telenovelas”, conta.

Luís Severo confessa que prefere cantar a solo em contextos pequenos, com menos de 100 pessoas. Contudo, assegura que, neste momento, já toca mais vezes para mais de 150 pessoas comparativamente às vezes em que esse número não ultrapassa a centena.

É crescente o número de festivais em que tem vindo a atuar. Caracteriza-se como “um peixe fora de água nesses eventos” porque, se por um lado, não é esse o seu habitat natural, por outro, tem fobia a multidões. Não obstante, são momentos onde se apresenta a pessoas que não o conhecem, o que para o cantautor “é indiscutivelmente positivo porque se, em 100, cinco gostarem da minha música já é uma conquista.”

E é aqui que entra outra característica distintiva do artista. Rodrigo Vaiapraia garante que “o Luís, nos concertos, é muito humilde”. “Apresenta-se sem assumir que as pessoas que estão à frente dele o conhecem a priori. Isto é cada vez mais descurado pelos artistas da nossa geração, há alguma petulância no geral. Com o Luís, há uma sinceridade acompanhada por uma humildade intelectual e artística”, continua.

A música é, incontornavelmente, a peça central da vida de Luís Severo, mesmo antes de se ter tornado cantor. “A música sempre foi a minha ocupação e paixão. Era aquilo que me ocupava todo o tempo. Não consigo imaginar a minha vida de outra maneira”, garante. Nuno Coroado, primo de Luís, confirma-o. “Ele já muito pequeno tocava canções para a família toda. Sempre esteve muito ligado à música, não o faz pelo reconhecimento nem pelo dinheiro. É a maneira de se expressar e é o que lhe dá prazer. Ele é mesmo um artista”, defende.

Por tudo isto, a música tornou-se o seu refúgio. “Tenho plena consciência da felicidade que é ocupar o meu tempo com algo que me faz sentir bem”, afirma. Mesmo o cansaço proveniente da composição de um disco classifica-o como um cansaço bom. Não é por acaso que, entre sorrisos, confidencia que já está a trabalhar num novo disco. “Início de 2021 seria uma boa meta para o lançamento”, remata.

Bárbara Barbosa

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