Aprendeu a ler sozinho aos três e aos 20 anos já tem publicados dois artigos no The Guardian. Pedro João Santos é finalista no curso de Ciências da Comunicação e, ao mesmo tempo, jornalista de música no Rimas e Batidas. Um percurso trilhado de tentativas e erros que começaram com uma playstation.
O cabelo castanho claro, a camisola amarela traçada com riscas horizontais escuras e o sorriso ainda meio tímido aparecem no ecrã quando Pedro João Santos aceita entrar na videochamada. Ainda não acredita que, em vez de ser ele a entrevistar, é ele próprio o entrevistado. Tem apenas 20 anos, é finalista da licenciatura em Ciências da Comunicação na NOVA FCSH, mas a determinação, o foco e o gosto que o acompanha no jornalismo têm vindo a engordar cada vez mais o seu currículo profissional.
No início da conversa, Pedro João Santos aponta para o Centro de Negócios de Ourém, através da câmara, lugar onde o clique aconteceu para seguir a licenciatura de Ciências da Comunicação: “Foi tudo graças ao Pedro Rebelo Pereira [do Gabinete de Comunicação da NOVA FCSH]. Eu fui à Futurália e ele apresentou-me o curso” e quando chegou a casa “à hora de almoço”, disse aos pais: “Quero ir para a NOVA FCSH”, relembra com um sorriso. E quando Pedro percebeu o seu caminho, começou a “treinar o músculo” e a procurar experiência.
Ainda antes de ingressar na faculdade, já tinha suspirado palavras em muitas linhas em branco sobre música. Escreveu sobre outro tipo de linguagem. E quando entendeu que era o jornalismo de música que queria ao seu lado, todos os dias, começou a desvendar outros trilhos através da Internet: “Se uma pessoa quer ser um crítico ou um jornalista de música no futuro, vai tentar perceber as pisadas que pode dar, estudar e emular, e tentei fazer isso lá fora” e o que encontrou como denominador comum foi o The Singles Jukebox.
“É um coletivo de críticos [de todo o mundo], não é preciso ser um crítico consagrado” para pertencer, explica, mas até conseguir entrar, Pedro colecionou alguns “nãos”. “Tentei aprimorar, aceitar as sugestões deles” e passado uns meses, em maio de 2018, conseguiu entrar para esta plataforma “que te permite adquirir uma certa plasticidade na tua escrita”, aponta.
Esta conquista soube ainda melhor porque três meses antes tinha ingressado no Espalha-Factos: “Um mês depois de ter estado com o Pedro Rebelo Pereira, decidi que ia fazer alguma coisa regularmente, não faz sentido se não treinar o músculo, e candidatei-me ao Espalha Factos, em fevereiro de 2018”.
As contribuições para o Espalha-Factos não passaram despercebidas e uns meses depois tornou-se editor na seção de música. Hoje, por falta de tempo, já não escreve para o projeto, mas tem a certeza de que foi para ele foi “uma grande escola”. E a escola continuou na NOVA FCSH, com a entrada na licenciatura, nesse mesmo ano, em 2018.
Quase a terminar o curso, Pedro já publicou no Diário de Notícias, no Megafone do Público (P3), participou no projeto REC – Repórteres em Construção (em conjunto com Luzia Lambuça, também aluna na NOVA FCSH), realizou uma curta-metragem sobre a relação queer de Fado entre a figura de Amália Rodrigues e o Fado Bicha. A tónica sobre as questões queer e LGBT acompanham Pedro: “Qualquer pessoa que tenha uma voz deve usá-la”, porque Portugal ainda carece de maturação e representação para estas questões. Essa foi uma das razões que o levou a escrever para o jornal britânico The Guardian.
Pedro viu publicado em junho de 2020 o seu primeiro artigo internacional, sobre António Variações, a estrela queer pop star portuguesa. Mas porquê o Variações? Primeiro, porque quando foi apresentado à discografia do cantautor, percebeu que as letras eram mais do que meras palavras. “Nunca tinha ouvido um artista português e pensado «uau, eu relaciono-me com isto» ou «consigo perceber a solidão desta música»”. E em segundo, depois de investigar quem era realmente o homem por detrás das quadras, entendeu a rutura que o cantor trouxe ao país.
Entre ser um homem que tinha um estilo inconfundível, António Variações foi o primeiro caso conhecido de sida e o caixão dele foi selado, “por causa da questão seropositiva. Desde logo há aqui um certo apagamento que eu acho que é endémico a todas as figuras que são da comunidade ou que em algum ponto disseram que eram”, aponta Pedro. Apesar do projeto Humanos, exemplifica, Pedro considera que ainda há um certo tabu sobre estas questões. “Qualquer oportunidade de confrontar as pessoas com isso é uma coisa boa para instigar o debate”, defende.
E, para abrir a porta ao debate, é necessário que os meios de comunicação estejam dispostos a aceitar propostas: “Devo sublinhar que isso é uma coisa ótima que existe lá fora e cá dentro não existe tanto, que é uma total abertura para receberem propostas”. E quem diz propostas, diz respostas, acrescenta Pedro: “É bom esta abertura que há em quase todos os meios lá para fora para os quais já propus uma matéria. Vêm sempre respostas e acho que cá [em Portugal] era importante haver essa abertura também”, reflete.
A proposta deste artigo ao The Guardian não foi imediatamente aceite. Voltou no retorno do correio para acertar pormenores. Pelo meio, perdeu-se o contacto, mas em maio de 2020, Pedro voltou a enviar o artigo com as atualizações do filme que tinha sido lançado. A subdiretora do The Guardian gostou e, um mês mais tarde, foi publicado. A avalanche de partilhas e publicações foi estranhamente recebida por Pedro, que ficou sem palavras quando soube, inclusive, que tinha sido comentado na Rádio Comercial.
E um ano depois, Pedro voltou a ver a sua escrita publicada no mesmo jornal. O artigo sobre a sua experiência, aos 10 anos, de liderar um fórum do Brasil sobre a Katy Perry, foi o ponto de partida. Não enviou um texto da primeira vez, por considerar que a caixa de entrada do The Guardian iria sufocar, mas no segundo e-mail da subdiretora, ao perceber que não havia representação feminina, refletiu.
Lembrou-se, então, “dessa ligação, já meio remota na minha vida à Katy Perry, que não é propriamente uma artista que eu admire, não está num pedestal hoje em dia mas reconheço a importância que ela teve como portal, vá, e tem alguma boa música, e foi um portal para tudo”.
Como escreve no artigo, foi a cantora que o fez perceber a sua ligação ao mundo da música, porém o bichinho do jornalismo já habitava o seu interior, mal Pedro sabia, graças à mãe, ao irmão e às revistas de videojogos.
Um irmão e uma playstation 2
Tudo começou ainda antes de ter começado. “Eu não estaria de todo em jornalismo ou a fazer isto se não fosse pelo meu irmão”, mais velho nove anos. Se a mãe – que aos 10 anos o permitia estar online no fórum da Katy Perry – o ajudou a encontrar o caminho da música, o irmão apontou-lhe a direção do jornalismo. E a diferença de idades não atrapalhou o processo, já que Pedro aprendeu a ler sozinho aos três anos.
“Isto não começa com música”, solta uma gargalhada ao contar, mas sim com uma assinatura mensal da revista que tinha críticas sobre videojogos que tanto ele como o irmão gostavam de ler: “Eu tornei-me acólito dele a ler essas coisas, eu era uma esponja”. E quando chegava do infantário, ao juntar as letras que originavam as palavras, Pedro arregalava os olhos ao ler as novidades. Quando o irmão chegava mais tarde da escola, Pedro conseguia fazer o resumo do que considerava mais importante na revista.
“Na altura não percebia o que estava na crítica, mas essas coisas começam a sedimentar-se de forma inconsciente, e acho que isso me ajudou no modelo para entender a cultura pop”, reconhece. E tudo somado, o resultado originou uma revista. A primeira revista do jornalista: “Nas minhas brincadeiras, quando não estava a brincar com legos ou hot wheels, criava uma revista. A revista era imaginária e os videojogos também. Eu era isso tudo, eu era o editor e o jornalista”, partilha com sorrisos.
Esta revista nunca chegou a ter o registo da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), mas permitiu-lhe viajar entre jogos e palavras, entre gostos e mundos. O percurso do jornalismo musical aguardava-o, na aventura daquilo que é ser-se jornalista musical no Rimas e Batidas.
O que é isto de ser jornalista de música?
“A minha relação com o Rimas e Batidas já vem ainda antes da NOVA FCSH” e foram precisos meses – que se traduziram em dois anos –, um disco de vinil e o Dino d’Santigo para esta relação ser oficial.
Começou por enviar alguns textos ainda no secundário, mas não foram aceites. Duvidou de si próprio: “Aqueles dramas, a pessoa recebe o seu primeiro ‘não’ e fica a pensar se é mesmo feito para aquilo. Mas depois não pensei mais no Rimas”. Alguns meses entrou no Espalha-Factos e no The Singles Jukebox e aquela ideia ficou alojada em outro canto do cérebro.
Entretanto, Pedro entrou na licenciatura e continuou a acompanhar o mundo da música. Estava atento ao projeto mais recente de Dino d’Santiago (Mundu Nôbu, 2018) e, em fevereiro de 2019, recebeu um convite para uma sessão de escuta do disco de vinil do cantor. Na sessão iria estar o artista em conversa com Rui Miguel Abreu, o fundador do Rimas e Batidas.
“Eu adorei aquilo, fui com uma amiga e não ia com expetativas de nada, a não ser ouvir o álbum”, mas a pergunta que Pedro fez a Dino d’Santigo na sessão aguçou o Rui Miguel Abreu. No final, Pedro ficou para o autógrafo do cantor no vinil e o jornalista abordou-o ao perguntar-lhe porque é que não considerava enviar algum material para o Rimas e Batidas. Pedro respondeu que já o tinha feito há dois anos, mas que não foi aceite.
Rui Miguel Abreu desafiou-o a enviar novamente um artigo para a redação: “Eu também já tinha maturado a minha escrita e enviei uma crítica da Chaka-Khan e gostaram e desde aí que estou com eles”, conta com um sorriso.
“O Rimas é a minha escola, não desvalorizando todo o conhecimento que a faculdade e o curso nos permitem ter”. Mas a plataforma permite-lhe estar no terreno, a “exercitar o músculo”.
Mas o que é ser jornalista de música nos dias de hoje? Não é uma pergunta fácil para Pedro, contudo fica “muito agradecido que hoje em dia o jornalismo musical não seja uma coisa monolítica” por já não ter tanta tendência a ser considerada com estereótipos ou material inacessível. “Um crítico [musical] não é mais que um ouvinte” e “uma pessoa deve estar atenta a tudo e tem de levar em consideração tudo de igual forma e conseguir apresentá-la de forma acessível” ao público.