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Entre o doutoramento e o basquetebol

Como é que um doutorando gere o dia a dia entre escrever uma tese, praticar desporto e ainda estar com a família? A resposta é dada por Janna Joceli Omena, doutoranda na NOVA FCSH e atleta de basquetebol na NOVA Desporto.

A campainha da bicicleta toca para avisar os transeuntes que vai a passar na ciclovia. São sete quilómetros que separam a casa de Janna Joceli Omena, doutoranda em Media Digitais pelo programa UT Austin/Portugal da NOVA FCSH, de um dos cafés na Avenida da República, em Lisboa, onde todos os dias vai trabalhar com uma colega – pelo menos até ao começo do novo ano letivo. Depois, os lugares vão variando entre bibliotecas e outros que estejam abertos até depois da hora de jantar.

Esta é a rotina de Janna depois de ter almoçado em casa. Horas antes, bem cedo pela manhã, a investigadora desce as escadas do prédio e trabalha num café perto do edifício. “Até o dono quase me expulsar para colocar as mesas para o almoço”, diz ela a rir. Janna está quase a terminar a tese de doutoramento, que espera entregar em 2020. A investigação sobre social media technicity foca-se em perceber como é que a forma de ser das plataformas de media, através do software, da máquina, pode interferir – ou não – na investigação digital. Um trabalho teórico-prático que exige a extração de vários dados para entender como as redes sociais, por exemplo, interferem com o indivíduo.

A tese de doutoramento é só uma das tarefas que a investigadora tem de conjugar no seu dia a dia. Janna é coordenadora de um dos grupos do iNova Media Lab, o Social Media Research Techniques (SMART), projeto que propôs quando ainda estava no primeiro ano de doutoramento. O objetivo era ter uma equipa porque “trabalhar em grupo para mim faz mais sentido” e logo começou a coordená-lo. O mês de janeiro de cada ano, desde 2017, é sinónimo de SMART Data Sprint, um evento que a coordenadora organiza com o grupo e que junta investigadores de todas as partes do globo para dias intensivos de brainstorming e elaboração de projetos.

O percurso da investigadora foca-se na maior aprendizagem possível sobre a sua área. Desde 2014 que investe na ida de cerca de um mês para a escola de Métodos Digitais, em Amesterdão, para crescer profissionalmente. Em 2016 não conseguiu ir. Mas isso não a parou de sonhar mais alto.

Janna Joceli Omena, doutoranda na NOVA FCSH e elemento da equipa de basquetebol feminino da NOVA Desporto

“Nós não chegamos a lado nenhum sozinhos”

De malas e bagagens deixou Recife, em Pernambuco (Brasil), e rumou até Lisboa à procura de um mestrado que a permitisse progredir no seu sonho: ser investigadora. Encontrou na NOVA FCSH o mestrado de Culturas Contemporâneas e Novas Tecnologias, em 2013, e dois anos depois estava a defender a dissertação e a candidatar-se para o atual doutoramento. Uma caminhada nem sempre fácil, confessa. Teve apoio e ressalva duas pessoas muito importantes: Teresa Cruz, docente e investigadora no ICNOVA que a inspirou e incentivou; e Colin McMillan, antigo diretor da International House, falecido em 2017, que, para Janna “continua comigo até hoje, foi uma pessoa muito importante para mim”, refere emocionada.

Com um certo brilho no olhar, Janna afirma que a sua vida “é feita de anjos” porque contou com amigos e família que nunca a deixaram percorrer o caminho sozinha. Acredita que na vida “nós não chegamos a lado nenhum sozinhos” e a entrada para o doutoramento foi uma das provas. Ainda sem saber se tinha a bolsa da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), começou a trabalhar nos bares em dias de tourada no Campo Pequeno.

Mais tarde, começou a perceber que o tempo não era o suficiente para se focar na investigação e desistiu. Com algumas entrevistas falhadas e pautadas por discriminação, Janna tomou uma decisão: pedir um empréstimo ao banco. Mas duas amigas e o namorado não permitiram: “Eu queria pedir um empréstimo, mas eles não deixaram. Quando recebi a bolsa, a primeira coisa que fiz foi pagar-lhes tudo o que devia”, recorda.

E neste período em que esteve sem bolsa e rendimento, não conseguiu ir à escola de Métodos Digitais, em Amesterdão. E por isso, decidiu propor um Sprint na NOVA FCSH, através do iNova Media Lab, inserido no ICNOVA: “Eu não podia ficar sem fazer nada, então tínhamos todas as condições de um Sprint” e a ideia avançou. O SMART Data Sprint começou em 2017 e nunca mais parou.

A caminhada de Janna é pautada por altos e baixos, de muita concentração e foco. Os frutos, esses, começaram a surgir ao longo dos anos. Janna recebeu o convite para ser investigadora convidada no Center for Advances Internet Studies (CAIS), na Alemanha, por Elena Pilipets, doutora convidada na mesma instituição. “Fiquei muito feliz quando recebi o convite da Elena, não são todos os dias que doutorandos são convidados a estar lá”, afirma Janna, muito contente, ao recordar as duas últimas semanas de julho de 2019 na Alemanha.

Para além destas atividades, Janna ainda de dedica a escrever no seu blog de investigação, a dar aulas quando é convidada e a trabalhar noutros projetos, como um que estuda os bots nas redes sociais, ou seja, ferramentas utilizadas que podem criar desinformação, distrair o utilizador, entre outros fatores. E no meio disto tudo, da pressão do dia a dia e dos compromissos, onde se encaixa a pipeta do tempo para um hobbie?

O “gene” do desporto que lhe abriu as portas da educação

A tarde já vai longa e as 20 horas começam a chegar aos ponteiros do relógio de Janna. Arruma as malas na bicicleta e pedala até à Mesquita Central, junto à Praça de Espanha, para o segundo de três treinos semanais. As raparigas reúnem-se com o treinador Filipe. Antes de começarem o treino, juntam-se na sala de entrada a rever o vídeo do último jogo e a debater o que correu mal. Com estes indicadores, o treino gira em torno da melhoria dessas falhas.

Quando chegou a Lisboa, em 2013, inscreveu-se na equipa de basquete da NOVA Desporto, que apenas interrompeu no ano de 2015/2016, o primeiro ano de doutoramento: “O que me cativa a jogar basquete é porque é um desporto coletivo” e clarifica “fazer investigação e escrever uma tese é um processo muito solitário e eu gosto de conviver, estar com os outros”.  Após o interregno voltou com mais força e vontade de vencer em conjunto com as atletas de várias faculdades da Universidade Nova de Lisboa.

A temporada de 2018/2019 transformou-se numa época memorável. A NOVA Desporto assinou um protocolo de cooperação com a equipa de basquetebol do Belenenses, que permitiu a iniciação de um projeto na segunda divisão do Campeonato Nacional. Além disso, a equipa disputou o primeiro lugar no Campeonato Nacional Universitário com a Associação Académica da Universidade de Aveiro, jogo transmitido no Porto Canal. Apesar da derrota, a NOVA conquistou o segundo lugar, feito histórico para a equipa.

Praticar desporto sempre correu nas veias da família de Janna. A mãe foi bailarina de ballet e actuou no Teatro de Santa Isabel (no Recife), um edifício do século XIX. Paralelamente, ainda se dedicava ao basquetebol, desporto no qual foi campeã nacional pela equipa do Santa Cruz: “O meu gene do desporto e da organização veio da minha mãe” confessa Janna. Aos oito anos – e depois de experimentar vários desportos em conjunto com a irmã mais velha – Janna optou pelo basquetebol. Mais tarde, acumulou a ginástica acrobática: “Quando cheguei aos 13 anos, a minha mãe deu-me a escolher, ou o basquete ou a ginástica. Já não podia conciliar por causa das competições e dos horários”. E foi cesto para o basquetebol.

Esta opção abriu-lhe as portas da educação: ingressou no colégio Marista São Luís (o equivalente ao Externato Marista, em Portugal) com uma bolsa de atleta. Quando terminou o secundário, seguiu para a licenciatura em Comunicação na Universidade Católica de Pernambuco ao abrigo de uma outra bolsa de atleta: “Estas escolas eram muito caras e as bolsas permitiram-me estudar nelas e adorei”.  Ainda na faculdade, e com sede de aprender mais, Janna começou a praticar tecido acrobático, uma modalidade circense. Decidiu fazer uma pausa de dois anos quando entrou para o doutoramento, mas este ano voltou a treinar numa escola no Saldanha, em Lisboa.

“A grande dificuldade é a disposição para fazeres algo depois de trabalhares o dia todo. Tens um dia intenso porque se leu muito ou se resolveu questões. Chegas ao final do dia e não tens disposição para nada, estás sem energia”, aponta Janna. Esta seria uma desculpa perfeita para calçar as pantufas lá de casa e não ter tempo para mais nada. Mas para a investigadora existe um compromisso com a equipa de basquetebol, tal como existe para a tese: “Tens de ser sincera contigo, se tu decidiste comprometer-te com isso, cumpres. Tal como às vezes não apetece responder aos e-mails, também às vezes não apetece ir aos treinos, mas vou à mesma, tal como respondo aos e-mails”, afirma com um sorriso.

Só há um motivo que impede Janna de faltar aos treinos, confessa: “O que me faz não ir aos treinos é um evento ou uma entrega de trabalho muito urgente. Porque até quando estou doente eu vou”.  O treino termina pouco depois das 22 horas. A noite já é longa para quem acorda cedo. Janna arruma as coisas nas bolsas da bicicleta e pedala de volta a casa. Amanhã é outro dia.

Ana Sofia Paiva

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