Não se trata de estudar fábricas, mas de conhecer a fundo a sociedade industrial, que nasce com a descoberta do vapor, que mudou radicalmente o chamado mundo ocidental.
A arqueologia existe para conhecer as sociedades humanas do passado, através da sua cultura material, dos objetos e das estruturas. A arqueologia industrial, especificamente, é a arqueologia de uma sociedade que mudou com a industrialização. Não se circunscreve ao espaço da fábrica, abrange todo o legado dessa época, dos palacetes transformados em dezenas de casas para acolher os trabalhadores, às vilas operárias e muitos outros espaços que testemunham esta sociedade em transformação.
A arqueologia industrial estuda a sociedade industrial que nasce com a Revolução Industrial, ou seja, com a chegada do vapor. De um modo geral, concentra-se a estudar os 200 anos de intervalo entre 1750 e 1950. No entanto, estas datas não são marcos fixos, servem apenas de referência.
A primeira patente da máquina a vapor evoluída data de 1765, mas há uma primeira versão que remonta a 1720 e que veio revolucionar o trabalho nas minas. No outro limite cronológico, temos a desindustrialização, que está a acontecer desde os anos 1970, no chamado mundo ocidental. Contudo, ao mesmo tempo que vai acontecendo, as fábricas vão passando para os limites deste mundo ocidental, para países como a Turquia, por exemplo.
“A fábrica é, de facto, um elemento central da sociedade industrial, veio transformar tudo, tornando-se o novo polo”, diz Leonor Medeiros, arqueóloga e professora da NOVA FCSH. “Deixa de ser o sino da igreja a chamar as pessoas para começarem o dia e passa a ser o alarme da fábrica, que as chama para o trabalho.” Foram retiradas dos ritmos campestres, regidos pelas estações e pela duração solar do dia, para passarem a acordar a uma hora certa, faça chuva ou faça sol.
Com a nova energia que vem da queima do carvão, também há outra mudança radical: passamos a viver à noite, como atestam diversas pinturas de finais de século XVIII que foram feitas já depois de o Sol se pôr. “Há fábricas que estão a laborar 24 horas por dia, é uma outra escala que ilumina todo o território, e as pessoas sentem a diferença”, refere a investigadora.
Simultaneamente, há uma mudança radical na agricultura, com o aumento da produtividade, que permite libertar trabalhadores agrícolas para as fábricas. Muitas famílias concentram-se nas cidades, onde os edifícios são reconfigurados para as acolher, muitas vezes, em condições precárias. “Há de facto toda esta mudança em que as pessoas se deslocam para a cidade e parece fantástico ao princípio, mas depois começam a perceber que há muita poluição, que não há condições para as receber. Os despejos são atirados para a rua, o que provoca doenças…”, afirma Leonor Medeiros.
São inúmeras as transformações que acontecem na sociedade e é este retrato que a arqueologia industrial procura fixar, também para ajudar a perceber a sociedade pós-industrial, em que vivemos atualmente. “Os ritmos que temos hoje, de certo modo, estão em desenvolvimento desde o início da sociedade industrial”, esclarece a arqueóloga. “O apanágio da produtividade, de se ser industrioso e de criar pessoas que sabem fazer atividades repetitivas, nasce daqui.”