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Uma bióloga historiadora

Apaixonada pelo mar desde que se lembra, Cristina Brito definiu o seu caminho com o objetivo de estudar o comportamento de baleias e golfinhos. Mas o mesmo mar que a inspirou trocou-lhe as voltas, e logo num lugar tão marcado pela sua presença como S. Tomé e Príncipe.

Durante décadas, o mar ao largo do arquipélago da costa ocidental africana foi uma zona de baleação, até os grandes cetáceos terem praticamente desaparecido destas paragens, no final do século XX. Mas, na transição para o século XXI, começou a haver sinais de que as baleias-corcunda estavam a regressar à sua antiga área de reprodução.

Cristina Brito tinha concluído o mestrado em Biologia Marinha, dedicando-se a estudar comportamento, bioacústica e conservação dos golfinhos do Sado, e estava a trabalhar no Projeto Delfim — Centro Português de Estudo dos Mamíferos Marinhos. E foi nesta associação que surgiu o que parecia uma experiência de sonho, para quem tinha apenas 26 anos: ir para o terreno estudar o regresso das baleias a S. Tomé.

“Gosto muito do mar e sinto-me bem no mar, mas enjoo de barco” — conta Cristina Brito — “e o mar de S. Tomé é péssimo, não é a calma do mar de Portugal”. Depois de dois anos frequentemente doente, um dia decidiu ficar em terra e não sair com os colegas. “Não há assim muito para fazer em S. Tomé”, diz, como que a justificar a inevitabilidade da escolha. “Estavam as portas abertas da Biblioteca Nacional e do Arquivo Histórico e, como sempre gostei de história, passei o dia a ler.” E foi assim que tudo mudou.

“A primeira coisa que li foram descrições de animais marinhos do Atlântico. Lia aquelas crónicas das viagens dos portugueses ao longo da costa de África e reconhecia as espécies a que se estavam a referir”, recorda. De repente, por um mero acaso, estava encontrado um novo caminho que a mantinha ligada ao mar, sem a provação de andar embarcada.

“Gostava muito de estar a fazer investigação e não tinha intenção nenhuma de mudar de área, mas estava a ficar doente, foi uma razão física muito forte que me levou a mudar.” Assim que regressou dessa viagem, em 2004, decidiu falar com João Paulo Oliveira e Costa, professor da NOVA FCSH, manifestando-lhe a sua vontade de fazer um doutoramento em História. Podia ser uma área totalmente nova, mas o tema central continuava o mesmo: o mar e os animais marinhos.

“Ao longo do tempo e à medida que fui conhecendo as humanidades e os seus métodos de trabalho, fui-me especializando em história ambiental marinha”, explica a investigadora do CHAM — Centro de Humanidades, da NOVA FCSH. Dedica-se a estudar o passado dos oceanos e das populações marinhas — muito maiores e mais diversas do que na atualidade —, mas também a forma como as pessoas percebem tanto os animais como o meio envolvente e como interagem com eles. Interessa-lhe em particular a época moderna, que vai do século XV ao século XVII.

Mas afinal como se estuda o passado dos oceanos? Estudam-se registos escritos, desenhos, pinturas, cartografia ou outros documentos que possam conter informação relevante. “Uma boa parte das fontes do início da época moderna tem um carácter utilitário, com informação para usar posteriormente, na qual se identificam posições onde há espécies interessantes para pescar ou outras que são perigosas”, exemplifica a historiadora.

Simultaneamente, nessa época, começam a surgir relatos que, apesar de não terem um carácter científico, revelam um interesse empírico de observação. As pessoas tentam perceber e explicar o que estão a ver, que antes não conheciam. É o caso dos testemunhos de alguns missionários, assim como colonos, que tinham conhecimentos da produção de história natural na época. “Começam a olhar para um ambiente que é diferente — tropical, na maior parte dos casos — e veem espécies que são distintas das que conheciam antes. Muitas vezes tentam perceber o que observam por comparação com o existe na Europa, ou o que já conhecem de viagens anteriores.”

A história ambiental ainda é uma área disciplinar muito nova, particularmente a história ambiental marinha. “Ainda é uma área emergente com pouco mais de uma década, mas agora há alguns projetos internacionais fortes que estão a permitir consolidar uma rede de investigação”, diz Cristina Brito. Um exemplo é a Cátedra da UNESCO “O Património Cultural dos Oceanos”, coordenada pela NOVA FCSH, na qual participam várias unidades de investigação da faculdade, além da Universidade dos Açores.

Outro caso, e que reforça os propósitos da Cátedra UNESCO, é o projeto europeu CONCHA, liderado pelo CHAM, do qual Cristina Brito é a responsável. Uma vez mais trata-se de juntar investigadores em rede, reforçando o trabalho colaborativo. Participam 11 instituições da Europa, África e América do Sul, e o seu objetivo principal é explicar como diferentes cidades portuárias se desenvolveram no Atlântico, entre o final do século XV e o início do século XVI. Não se trata apenas de perceber as relações locais, é preciso estudar as interações que se estabelecem à escala global, tanto económicas e sociais, como com o meio ambiente e, claro, com os animais marinhos.

“A proteção das espécies junto das comunidades locais acaba por ser sempre o objetivo último, que nos remete para a nossa origem da biologia e da conservação marinha”, afirma a investigadora. “Tentar dar alternativas às pessoas e levá-las a perceber outros caminhos, sem ser a caça dos animais.” Há diversos exemplos bem-sucedidos, como é o caso da proteção das tartarugas, tanto em Cabo Verde como em S. Tomé e Príncipe, em que a população passou a contribuir ativamente para a conservação.

“Neste momento, o grande contributo para a conservação da natureza pode vir das humanidades”, não hesita em afirmar Cristina Brito. A investigadora defende, inclusive, que a história ambiental deve receber mais o contributo de outras áreas das humanidades, como literatura, arte, sociologia ou antropologia. “É muito importante que contribuam, porque se trata de uma investigação interdisciplinar”, remata.

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